Para compreender a situação atual da ONU, cujas dificuldades no domínio do seu estatuto, principalmente cumprir a definição jurídica para a manutenção da paz, tudo indispensável para o desenvolvimento, parece de utilidade ter presente que se trata de um texto dos vencedores da guerra de 1939-1945, tal como aconteceu com o Estatuto da Sociedade das Nações, o equivalente da Guerra de 1914-1918, e também obra de vencedores, ou, para simplificar, de ocidentais e respetivas culturas. Uma novidade habitual, portanto, para o chamado "resto do mundo" plural de formas jurídicas impostas, quer tivessem a designação formal de colónia, que nos factos não ganhava superioridade suficiente para a liberdade política, quer recebendo a designação de protetorado, mandato, fideicomisso. A origem do texto não impediu que a resposta, aos colonizadores ocidentais, seria a de os considerar "os maiores agressores dos tempos modernos"..A imagem do texto da ONU piorava quando ficou nele estabelecida uma aristocratização de grandes potências ocidentais, as que ficavam no Conselho de Segurança com o direito de veto - EUA, Reino Unido, França, Rússia, China. Com um erro, de futuras inconveniências hoje em curso, que foi considerar que a China era uma realidade representada pela ilha de Taiwan, em que se refugiara, com o seu exército, o vencido General Chiang Kai-shek, hoje já substituído pela China, mas certamente sempre inquietante para a relação da China com interesses que entende serem de reconhecimento internacional, como é o mar que tinham deixado de navegar quando a navegação portuguesa ali chegou..O resultado mais evidente e inquietante é que a ONU depende muito da vontade das ainda chamadas grandes potências, usando esta expressão por suporem que a pandemia não poderia atingir a aristocracia com que foi dignificado o Conselho de Segurança. É porém esta crise pandémica que já afeta o agravamento dessa hierarquia aristocrática, no mundo que, esquecendo a pandemia, o que mais destaca é a luta dos chamados emergentes, em que a China se destaca, e os europeus talvez encontrem razão para não apoiar a perda de unidade, com dificuldades semelhantes às da saída do Reino Unido. São factos que afetam o projeto de ordem global da ONU, a situação no Médio Oriente exige conseguir a submissão ao direito, o desastre internacional dos EUA a salvar com o esperado fim do último mandato de Trump, a marginalização dos palestinianos que não tem reconhecimento de estatuto na ONU que os regula, o conflito da Síria que movimenta numerosas potências, o Iraque, o Irão, as redefinições dos conflitos dos islâmicos com a especial importância do conflito provocado em França que possui a maior comunidade ali recolhida, o desastre que está em curso em Moçambique e Angola, e a lista continua. É assim necessário compreender intervenções claras e sem reservas da ONU, que por exemplo Anne-Cecile Robert considera a instituição à mercê das grandes potências, o que deveria incluir a paz e o progresso que à instituição cumpre defender e desenvolver, julgamento que se evidenciou no facto e estilo de François Delattre, representante permanente da França na ONU, que referiu, sem hesitações, tendo presente a finda presidência dos EUA, que passou a chamar "un isolationism" americano..O empenhamento dos responsáveis pelas intervenções decididas pelos Estados membros, de quem se espera que cumpram os estatutos, tem de ser reconhecida e apoiada: como os 6,6 milhões de sírios, 8,5 milhões de iroqueses, 28 mil iemenitas: tudo é apenas facto derivado da crise que caminha sem bússola. Como sinal de alarme aos atentos sobre a crise de confiança que o globo vive, é talvez de não esquecer a notícia de que o enviado da ONU para a Síria, Geir O. Pedersen, reclamou um cessar-fogo para conseguir enfrentar a pandemia de covid-19, mas que quando, em dezembro de 2018, o embaixador dos EUA na ONU, Nikki Haley, saiu do cargo, os EUA levaram nove meses a nomear novo embaixador, Kelly Craft, com visível falta de respeito suficiente sobre o estatuto que ajudaram a impor. São excessivas, para se poder imaginá-las superficiais, as violações do direito internacional que levaram o Tribunal Penal Internacional a publicar o acordo em que anuncia não investigar crimes contra a humanidade porque nenhum Estado colabora..É tempo, no que respeita aos países de língua portuguesa, entre os quais se destaca a criminalidade das ofensivas armadas em Angola e Moçambique, que a cooperação defensiva que os seus governos necessitam é visivelmente excessivamente demorada, e frágil, porque o direito internacional se mostra, especialmente no domínio judicial, violável sem condenação e ação. Quando o poder judicial é objeto da recusa dos Estados, voltando à prática de que aos soberanos apenas Deus julga, está implantado o arbítrio que exigiu, ao lado dos conflitos de menor extensão, duas guerras mundiais. É de justiça natural responder positivamente à voz dos responsáveis pela gestão da instituição, pela urgência de regressar à autenticidade.