As lanchas rápidas abatidas, alegadamente por transportarem estupefacientes, e o aumento significativo de presença militar dos Estados Unidos da América no Mar das Caraíbas estão a mudar as regras do jogo na América Latina.Donald Trump classificou os cartéis de droga como organizações terroristas estrangeiras, decisão que é discutível. Por definição, o terrorismo tem objetivos políticos, o que o distingue de outras formas de crime organizado, em regra agnósticas no plano ideológico, mais preocupadas com a obtenção de lucro.No entanto, há muito que os grupos terroristas recorrem ao tráfico de estupefacientes e pessoas, bem como ao branqueamento de capitais, para se financiarem, entrando assim no campo da criminalidade organizada dita tradicional. A zona da tríplice fronteira, onde Brasil, Paraguai e Argentina se encontram, é disso palco preocupante. No caso da Venezuela, as ligações entre regime, narcotráfico e o terrorismo do Exército de Libertação Nacional colombiano estão longe de ser novidade.As motivações de Washington clarificaram-se na passada sexta-feira com a publicação da Estratégia de Segurança Nacional (ESN), a primeira desta nova Administração Trump. O combate ao tráfico internacional de estupefacientes – cujo crescimento é evidente, até em Portugal – e o combate à imigração ilegal são definidos como objectivos prioritários.Não sendo o maior foco global de problemas, a Venezuela é relevante para estes dois objetivos. E tem enorme importância para outro desígnio assumido na referida estratégia: domínio energético. “A energia barata e abundante gerará empregos bem remunerados nos Estados Unidos, reduzirá os custos para consumidores e empresas americanas, impulsionará a reindustrialização e ajudará a manter a nossa vantagem em tecnologias de ponta”, lê-se. Acresce que Washington não permitirá que o hemisfério ocidental perturbe “cadeias de abastecimento críticas”.Desde a década de 1990 que não se via uma Administração norte-americana tão dedicada à América Latina. Trump inaugura um novo capítulo de política externa, algo paradoxal: a novidade está num regresso ao passado, à velha Doutrina Monroe, que organiza o mundo em esferas de influência. As Américas Central e do Sul serão o quintal dos Estados Unidos, donde a Ucrânia será coutada da Rússia e, porventura, a Formosa será assunto exclusivo da China. As esquerdas radicais da Europa estão obrigadas a aplaudir Trump.De permeio, o regime venezuelano intensificou a aposta na sua área de especialização: reprimir. Sob o argumento de desarticular uma quinta-coluna, espalhou os temíveis ‘colectivos’ pelos bairros das grandes cidades, sobretudo em Caracas.Estes grupos paramilitares prendem dissidentes, agridem para manter ordem, fiscalizam os telemóveis de quem passa, impedem o apoio social de chegar às mãos de quem é crítico do regime. Instalam-se nos telhados dos bairros mais pobres, estabelecendo pontos de vigilância permanente, sem grande esforço de ocultação – o medo só funciona quando é sentido. São um sintoma da natureza pretoriana, opressora e ilegítima do poder vigente.A ditadura venezuelana, que destruiu a democracia iniciada no final da década de 1950 para depois arrasar a economia, resistiu a vagas de sanções e a pressão diplomática constante. Trump vê a projeção de força militar como o factor que, por fim, abrirá uma brecha na muralha autoritária. Caindo o regime, diz a ESN, não é importante que seja substituído por uma democracia. Sejam bem-vindos ao século XIX.