Regionalização: quem tem medo de dar voz ao povo? 

Publicado a

A Regionalização é uma questão de elementar justiça e de participação. Prevista na Constituição, continua por cumprir — não por falta de argumentos a seu favor, mas por ausência de coragem política. O anúncio de Luís Montenegro de que é “inoportuna” não surpreende: confirma a persistência de uma cultura centralista na direita portuguesa, concentradora de poder, com raízes no Estado Novo. 

Portugal sofre de um excesso de centralização que não é neutra nem inocente. Acentua a relutância em enfrentar interesses instalados e desmontar mitos convenientemente mal explicados à opinião pública. Quando as decisões são tomadas longe dos territórios a que dizem respeito, sem o envolvimento das populações, o resultado é conhecido: políticas públicas desajustadas, serviços ineficientes e uma crescente sensação de abandono fora dos grandes centros urbanos. Manter este modelo não é um exercício de prudência, mas uma irresponsabilidade que põe em causa o princípio da subsidiariedade. 

O debate sobre a Regionalização permanece refém do fantasma do referendo de 1998, tratado como um veredicto eterno. Esquece-se, de forma deliberada, que ocorreu num contexto político muito distinto, baixa participação eleitoral e uma campanha pouco esclarecedora. Usá-lo hoje como argumento definitivo não é respeito pela vontade popular, mas uma estratégia para evitar o debate. 

Invoca-se ainda, de forma falaciosa, o custo da Regionalização, ignorando que grande parte da estrutura administrativa já existe. As Comunidades Intermunicipais (CIM) e as Comissões de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR) demonstram que a questão não está na criação de novas instâncias, mas sim na legitimidade democrática e escrutínio público, mas já lá vamos. 

Regionalizar não é fragmentar o país nem enfraquecer os municípios, como frequentemente se sugere de forma alarmista. Pelo contrário, promove a coesão territorial através da proximidade e da responsabilização política, permitindo uma mobilização mais eficaz dos recursos públicos. Sem prejuízo da autonomia e papel central dos municípios, áreas como a habitação, saúde, mobilidade, transportes, proteção civil ou combate aos fogos florestais beneficiariam claramente de uma escala regional. 

Há ainda uma dimensão democrática raramente assumida com frontalidade. O modelo actual concentra poder sem escrutínio directo. As regiões existem de facto, mas não politicamente: são geridas por estruturas técnicas nomeadas — as CCDR — com fraca legitimidade democrática, reduzida transparência e ausência de controlo efectivo por parte dos cidadãos. Isto não é neutralidade administrativa; é uma opção política que empobrece a democracia. 

Adiar a Regionalização tem custos claros: um interior cada vez mais despovoado, regiões dependentes de decisões erráticas, má articulação dos fundos europeus e políticas públicas desenhadas para uma realidade uniforme que ignora a diversidade do país. 

A Regionalização assusta porque redistribui poder e descentraliza. Se elegemos representantes a nível nacional e local, não há razão para excluir o nível intermédio. Obriga o Estado central a abdicar do controlo absoluto e exige que as forças políticas se organizem territorialmente de forma mais consistente.  

Não é solução milagrosa, mas é um passo essencial para um Estado mais justo e equitativo, eficiente e democrático.  Recusá-lo não é uma questão de oportunidade — é medo de dar voz ao povo. 

 Dirigente da Associação Política Cidadãos Por Lisboa

Diário de Notícias
www.dn.pt