Quando os Direitos de Cidadania dependem do código postal

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Na semana passada soubemos que a empresa que detém o monopólio da distribuição de jornais e revistas decidiu deixar de assegurar esse serviço no interior do país. A razão invocada é simples: em vastas áreas já não existe mercado suficiente para compensar os respetivos custos.

Este episódio ilustra o que tem vindo a acontecer com muitos outros serviços no interior, como a saúde, a educação, a justiça, os transportes ou os correios. Revela também o impacto da falta de representação política efetiva nos territórios despovoados. Na verdade, não estamos apenas a falar de jornais e revistas mas de acesso a direitos de cidadania que se tornou progressivamente dependente do código postal.

Apesar disso, o debate sobre o futuro da representação do território português continua preso ao dilema recorrente sobre Regionalizar ou manter o modelo atual. Mas trinta anos depois do referendo, a questão central já não é discutir mapas, mas sim a representação das pessoas e dos territórios onde vivem. E existe uma alternativa institucional mais simples e mais rápida para corrigir a invisibilidade política do interior: a criação de uma segunda câmara territorial no Parlamento capaz de garantir que todo o país, e não apenas a longa faixa costeira, está presente na sala onde se decide o futuro.

A regionalização tem méritos claros e está inscrita na Constituição. Mas tornou se um romance inacabado da vida política portuguesa. Exige referendo, nova divisão administrativa, criação de governos regionais e uma profunda redistribuição de competências. É uma reforma total, pesada e de difícil consenso. E enquanto não se discute a arquitetura institucional, o território esvazia-se silenciosamente. O problema é urgente, mas o processo é lento. A segunda câmara responde precisamente a este desfasamento.

Ao contrário da regionalização, que reorganiza o território, a segunda câmara reorganiza a representação política. Não cria novas burocracias nem multiplica níveis de governo. Ao devolver voz às regiões que a perderam, independentemente da sua população, faz algo simples e essencial. Hoje, o Alentejo elege oito deputados e Lisboa quase cinquenta. Esta assimetria traduz se num facto político incontornável. Vastas áreas do país têm pouco peso nas decisões que moldam o seu futuro.

A regionalização aposta na criação de centros de poder no território. A segunda câmara aposta em trazer o território para o centro do poder nacional. Num país onde metade dos municípios perde habitantes, a pergunta decisiva não é qual destas reformas é mais ambiciosa. É qual responde mais depressa ao desaparecimento dos territórios esquecidos.

Numa segunda câmara territorial, cada região teria representação paritária. A voz política deixaria de depender apenas da densidade populacional. O Interior deixaria de ser um lugar distante para voltar a ser parte inteira da República. Decisões sobre ordenamento do território, água, floresta, mobilidade, energia, agricultura ou fundos europeus passariam a ser escrutinadas à luz da realidade concreta dos territórios.

Uma segunda câmara territorial é a forma mais pragmática de garantir que Portugal deixa de ser um país onde só as regiões com mais pessoas são ouvidas e passa finalmente a ser um país onde também as regiões vazias contam. Se o Interior está a desaparecer, não é por falta de espaço nos mapas. É por falta de voz.

Professor convidado UCP/UNL/UÉ

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