Quando o centro não dialoga, os extremos gritam

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Todos os dias as notícias, sondagens e estudos mostram que a democracia que construímos coletivamente nos últimos 80 anos está a perder apoiantes. A ascensão da extrema-direita na Europa não resulta apenas da sua capacidade de explorar medos e frustrações. Resulta também da incapacidade dos partidos moderados, que deveriam ser a âncora da democracia liberal, de trabalharem juntos para responder, de forma pragmática, aos desafios que as sociedades enfrentam.

Em França, a crise económica e a divisão persistente entre socialistas e centristas de Macron já levaram à nomeação do quinto Governo em apenas dois anos, permitindo que a extrema-direita e, em parte, a extrema-esquerda se apresentem como alternativas coesas.

No Reino Unido, as sondagens revelam o crescimento inédito do partido Reform UK, de Nigel Farage, alimentado pela descredibilização dos conservadores após 14 anos de governação e pela dificuldade trabalhista em oferecer uma visão clara de futuro. A fragmentação do centro deixa órfãos muitos eleitores moderados, que migram para os discursos simplistas e radicais.

Na Alemanha, o enfraquecimento da coligação de Olaf Scholz e as divisões constantes entre sociais democratas, verdes e liberais abriram caminho ao crescimento da AfD, que já lidera intenções de voto na maioria dos estados da antiga RDA. A extrema-direita apresenta-se como a força “disciplinada”, em contraste com a perceção de desunião no centro.

A tendência não é apenas nacional. No Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu deixaram a colaboração estruturada em torno das grandes prioridades, preferindo marcar diferenças partidárias a assumir compromissos conjuntos sobre clima, imigração ou segurança. Esse bloqueio transmite a mesma sensação de fragmentação que já mina a política interna dos Estados-membros, enfraquecendo o projeto europeu como espaço de estabilidade.

Também fora da Europa a crise do centro é evidente. Nos Estados Unidos, o desaparecimento da ala moderada do Partido Republicano transformou a política americana numa demonstração de poder unipessoal do Presidente, atropelando um Partido Democrata fragilizado e um Partido Republicano capturado pelo trumpismo.

Portugal não escapa a esta tendência. A dificuldade do centro conversar, mesmo em matérias de consenso evidente, transmite ao eleitorado uma sensação de bloqueio e paralisia. Neste vácuo, partidos radicais crescem e ocupam o espaço da indignação, como se viu na sondagem publicada recentemente no DN.

E, no entanto, quando ouvimos os partidos do centro reconhecemos consensos sobre os grandes desafios: alterações climáticas, imigração regulada, crescimento económico com coesão social, defesa da segurança. Mas a convergência fica-se pelas palavras e diagnósticos, sem capacidade de ultrapassar rivalidades partidárias e construir pactos de governação que transmitam eficácia e confiança.

É claro que não estamos a falar de cooperação que anule a alternância democrática. Pelo contrário: os partidos do centro devem manter as suas diferenças e disputar eleitorados em políticas setoriais onde as opções entre mais Estado ou mais mercado permitem ao eleitorado escolher. Mas, nos grandes temas estruturais que definem o futuro das sociedades, a cooperação deve ser regra. Só assim o centro voltará a ser visto como espaço de confiança, de estabilidade e de soluções sérias para problemas complexos.

Se os partidos moderados quiserem travar a extrema-direita, não basta repetir alertas sobre os riscos do populismo. Precisam mostrar que são capazes de superar diferenças, construir soluções conjuntas e governar com eficácia. Sem um centro político capaz de se unir nos grandes desafios, as democracias continuarão vulneráveis a quem oferece respostas fáceis a problemas complexos. A democracia europeia nasceu da cooperação entre moderados e pode também morrer, se essa cooperação desaparecer.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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