De facto, Pequim tem multiplicado sinais de afirmação internacional. A Cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) transformou-se num palco global alternativo à ordem ocidental onde estiveram não apenas os parceiros regionais habituais, mas também a Turquia, membro da NATO, a Eslováquia, membro da União Europeia e o Secretário-Geral da ONU. A mensagem foi clara: a SCO já não é periférica, mas um fórum central, sustentado pela narrativa da soberania absoluta e da não ingerência nos assuntos internos de cada país.Os BRICS são outro instrumento da influência chinesa. O alargamento recente a países como a Arábia Saudita, o Irão e o Egito, consolidou o bloco como rival direto do G7 e a aposta em mecanismos de Substituição do dólar como moeda de referência, o reforço do Novo Banco de Desenvolvimento e a crescente coordenação diplomática mostram como os BRICS se assumem não apenas como espaço económico, mas também como polo político que, para muitos países em desenvolvimento, representam uma alternativa às instituições internacionais onde continuam a ser vistos como meros figurantes.E a dimensão simbólica desta ascensão não é menos relevante. As comemorações dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial em Pequim, com um desfile militar imponente perante líderes de vários continentes, projetaram a China como alternativa legítima da ordem internacional de 1945 e como potência incontornável do século XXI. Ao apropriar-se da memória da vitória sobre o fascismo, Pequim procura legitimar a sua liderança numa nova multipolaridade.Neste contexto, o desafio para as democracias é enorme. Os Estados Unidos, tradicional garante da ordem internacional liberal, retraem-se e a China apresenta um modelo alternativo que atrai não só regimes autoritários, mas também democracias emergentes em busca de maior autonomia, nomeadamente o Brasil, Índia, África do Sul, as democracias centrais no Sul Global que são membros fundadores dos BRICS e peças-chave no equilíbrio futuro entre modelos democráticos e autocráticos.A União Europeia tem, assim, uma responsabilidade particular. Além de procurar salvaguardar a aliança transatlântica, deve assumir-se como plataforma de mobilização das democracias mundiais, articulando um modelo fluido e inclusivo de cooperação. Isso implica reconhecer que as democracias emergentes, nomeadamente as que integram os BRICS, são centrais para qualquer estratégia de renovação democrática global e que não podem ser tratadas como atores secundários mas sim como protagonistas de pleno direito na definição de agendas comuns.Para tanto, precisamos de uma agenda pragmática e transformadora que responda aos desafios do Séc. XXI, como o crescimento económico e o desenvolvimento social justos e inclusivos, a sustentabilidade ambiental e a reforma das instituições multilaterais. Só assim a UE poderá construir uma frente democrática credível, capaz de responder à narrativa chinesa sem negar a diversidade e a autonomia das democracias do Sul.Se conseguir desempenhar este papel congregador, numa parceria que inclua igualmente países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão ou Coreia do Sul, a União Europeia poderá revitalizar o projeto democrático e posicionar-se como ator indispensável de soluções multilaterais apoiadas no direitointernacional, na diplomacia e na cooperação. Se falhar, verá as autocracias consolidarem a sua influência e o campo democrático fragmentar-se. Mas o tempo para agir é já porque o poder tem horror ao vazio e a História não espera.Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL