QFP: um orçamento ou uma chibata?

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Se a proposta apresentada pela Comissão Europeia para o orçamento plurianual da União Europeia (UE) - o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) -, para o período 2028-2034, avançasse como está, os prejuízos seriam de grande monta para Portugal.

Mas não é apenas para o povo português que sobram motivos de preocupação. A preocupação é geral e é preciso evitar que se transforme em amarga realidade.

Detenhamo-nos apenas em três dos aspetos da proposta.

Por um lado, a proposta apresentada pela Comissão Europeia marginaliza e secundariza os objectivos de coesão económica, social e territorial e agrava assimetrias e desigualdades.

Com a criação dos Planos Nacionais e Regionais de Parceria (PNRP) faz-se uma amálgama de fundos misturando coesão, política agrícola, pescas, gestão de fronteiras, entre outros. Essa opção procura disfarçar os cortes nos fundos destinados a algumas dessas políticas e prejudica os países económica e socialmente menos desenvolvidos.

Por outro lado, a Comissão quer utilizar o QFP para concentrar e centralizar poderes e acentuar ainda mais os mecanismos que permitem a imposição de políticas aos Estados-Membros e o condicionamento da sua soberania.

A Comissão pretende que o desembolso dos fundos ao abrigo dos PNRP esteja associado ao cumprimento de marcos e metas e à concretização das reformas determinadas pelas opções e orientações impostas pela UE.

Quem cumprir o que a Comissão Europeia determinar pode ter acesso a fundos, quem não cumprir não tem.

Acrescenta-se a isso a intenção de criação de novos recursos próprios da UE para financiar o orçamento europeu. Inserem-se neste capítulo a criação de novos impostos europeus ou o reforço da componente que é desviada dos Estados para a UE de taxas e impostos já existentes. O mesmo é dizer mais intromissão na soberania dos Estados e menos capacidade de estes decidirem em função do seu próprio desenvolvimento e das necessidades dos respectivos povos.

Em alguns casos a proposta da Comissão subverte completamente a natureza que o orçamento da UE deve ter, obrigando países menos desenvolvidos a suportar maiores contribuições para o orçamento do que os países mais desenvolvidos através desses novos recursos próprios. Seria o caso de Portugal, por exemplo, a propósito do tabaco e dos produtos eléctricos e electrónicos.

Com tudo isto, assim se mandaria às malvas a determinação de que o orçamento da UE deve compensar os países que sofrem os impactos negativos da integração, do mercado único, da moeda única e das políticas comuns.

Por último, a Comissão faz uma distribuição de cortes, aumentos e desvios orçamentais que é muito reveladora das opções e orientações da UE.

Corta cerca de 11% nos fundos da coesão, incluindo o Fundo Social Europeu +. Nos fundos associados à Política Agrícola Comum (PAC) e às Pescas o corte poderá ser da ordem dos 10% mas existem estudos que apontam para que chegue aos 30% no caso da PAC.

Os fundos do Horizonte Europa (ciência), do Erasmus+ (educação) e parte do LIFE (ambiente e acção climática), entre outros, são desviados para criar o chamado Fundo para a Competitividade destinado a beneficiar grandes empresas multinacionais.

Já as verbas destinadas ao militarismo são significativamente aumentadas, sendo que os montantes previstos no actual QFP para a mobilidade militar são multiplicados por 10 (!!). A acrescer a este aumento, as verbas de outros fundos e programas, nomeadamente os que são fundidos nos PNRP, podem ser igualmente desviadas para investimentos na militarização.

Quem achar que esta é uma discussão distante das nossas vidas que se desengane. É do nosso futuro e do futuro das nossas vidas que se está a tratar naquele orçamento.

Eurodeputado

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