Pronatalismo seletivo
Pai de 14 filhos de quatro mulheres diferentes, Elon Musk é o rosto mais notório de um pronatalismo que ganha força entre a elite dos titãs da tecnologia e os seus prosélitos por todo o mundo. O homem mais rico do mundo - e agora também o mais dedicado "funcionário especial do governo” de Donald Trump – já defendeu publicamente, inclusive na sua rede social X, que para ele a baixa taxa de natalidade é um risco maior para a civilização do que as mudanças climáticas em curso.
Parece ser a última moda entre os geeks ultra-ricos, que se autoproclamam como os ancestrais do futuro. À medida que as taxas de fertilidade no mundo ocidental continuam a atingir níveis historicamente baixos, inferiores à natural "taxa de substituição" de uma geração para outra, o movimento pró-natalidade encontrou numa certa elite multimilionária um viés ideológico que alimenta também várias correntes nacionalistas e de extrema-direita.
A onda de pronatalismo, impulsionada por figuras como Elon Musk e outros, está a tornar-se um projeto de estimação em Silicon Valley - cerca de 874 milhões de dólares foram investidos em startups relacionadas com a fertilidade somente em 2023. Sem surpresa, tornou-se também uma das bandeiras da administração Trump, com este a anunciar que quer ficar na história como o “presidente da fertilidade” na América.
Mas o que poderia ser uma legítima preocupação demográfica carrega, neste caso, um grande asterisco ideológico e abriga uma velha obsessão dos movimentos nacionalistas: controlar quem nasce e quem não nasce.
Atendendo aos números globais, a Humanidade está longe de estar em declínio populacional. Ultrapassámos há pouco a fasquia das oito mil milhões de pessoas na Terra e as previsões apontam que atinjamos a marca de dez mil milhões por volta de 2080, antes de podermos entrar num ciclo de declínio lá para 2100. Sendo o excesso populacional o principal motivo pelo qual estamos a esgotar os recursos naturais e a acelerar as alterações climáticas.
Mas estes “pronatalistas” não querem uma natalidade qualquer. Ao mesmo tempo que pede mais bebés a americanas brancas e restringe direitos ao aborto, Trump endurece políticas contra migrantes, promovendo a deportação de mulheres latinas, as principais responsáveis pelo crescimento populacional recente dos EUA. Para este pronatalismo nacionalista não basta ter mais nascimentos; é preciso que certos tipos de pessoas se reproduzam, num claro braço dado com a ameaça da “grande substituição” acenada pela extrema-direita para justificar discursos de ódio e políticas anti-migratórias.
Musk e os seus amigos pronatalistas tecnológicos, de resto, têm vindo a patrocinar projetos de biotecnologia reprodutiva para gerar "filhos geneticamente superiores", como um suposto legado para a humanidade. O objetivo, na verdade, está longe de ser demográfico e faz ressoar projetos eugénicos de outros tempos.