Presidente de todos. Primeira escolha de poucos

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Terminado o ciclo de debates entre os oito principais candidatos à Presidência da República, é justo dizer que os frente a frente tiveram impacto real na dinâmica de algumas campanhas, alterando o seu curso ou confirmando estratégias já esperadas, mesmo que a big picture que se antecipa para o desfecho eleições não tenha, pelo menos até agora, sofrido alterações.

À primeira vista, a mudança mais notória, a julgar pelos resultados das sondagens, é a aparente queda de Gouveia e Melo nas preferências dos eleitores. O almirante chegou aos debates à frente de quase todos os estudos de opinião, mas termina este ciclo em claro recuo nas intenções de voto. Os debates, já se sabia, eram um dos maiores testes a Gouveia e Melo, face à estreia em frente-a-frentes e tendo em conta que teria como adversários alguns dos políticos nacionais mais experientes neste tipo de comunicação.

O curso dos debates obrigou o almirante a descer do pedestal, até porque a aura de herói da covid-19, que lhe conferiu popularidade, vai-se desvanecendo com o tempo e hoje as preocupações dos portugueses já são outras. Um combate mais direto aos rivais, lançando até dúvidas sobre a integridade dos mesmos (como aconteceu perante Marques Mendes), parece ser agora um caminho que Gouveia e Melo está disposto a percorrer.

Apesar da experiência militar, este não é o tipo de batalha que deixe o almirante à vontade. E, além disso, sempre que há um véu de suspeição há também combustível para alimentar o populismo. Logo há o risco de fortalecer o tipo de mensagens que rivais diretos como André Ventura usam para arregimentar tropas, sendo que o líder do Chega encerra este ciclo de debates com as pretensões intactas de passar à segunda volta das presidenciais (o que já seria uma vitória).

Também António José Seguro teve de se ajustar. Neste caso, deixar de querer agradar a todos e passar a focar-se mais no eleitorado socialistas (tal como o DN adiantou) e no voto útil que possa obter à esquerda do PS, campo político onde os candidatos apoiados por PCP, Livre e BE mantiveram firme a ideia de não desistirem de ir a jogo. Seguro, como analisam os politólogos Paula Espírito Santo e Adelino Maltez no DN, tem margem para ser mais agregador e insistir na ideia de ser o único com condições para impedir a eleição de um Presidente de direita pode, de facto, trazer-lhe dividendos, tanto no voto útil como na angariação de indecisos (que serão ainda muitos, na ordem dos 20%).

Na direita, com Marques Mendes cada vez mais encostado ao Governo de Luís Montenegro, Cotrim de Figueiredo a segurar o voto liberal (e a tentar chegar até um pouco mais longe) e Ventura sem qualquer recuo aparente na sua base de apoio (que nas legislativas fez do Chega o partido líder da oposição), há menos espaço para singrar a ideia do voto útil nesta primeira volta.

Quanto à big picture, ou seja, o desfecho final destas eleições, os debates não alteraram nada. Por um lado, permanece uma enorme incerteza sobre quem serão os candidatos que vão passar à histórica segunda volta (que só se realizou uma vez nas presidenciais), tornando assim decisivo o desempenho que venham a ter durante a campanha eleitoral. Por outro, face à dispersão de votos, é cada vez mais claro que o candidato que ficar à frente na primeira volta será o vencedor com menor número de votos de sempre (como o DN já antecipou).

Na segunda volta, quem for eleito sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa saberá, por isso, que se tornará Presidente de todos os portugueses, mas primeira escolha de uma minoria.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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