“Portugal mudou”. Ouvimos esta expressão em todo o lado, das esplanadas dos cafés ao parlamento. E é verdade. Mudou muito e depressa, mais do que alguma vez antecipámos. O retrato do país feito no Censos 2021 já não reflete a realidade que hoje enfrentamos. Por isso, defendo, com convicção, a realização de um Censo extraordinário em 2026. Não para substituir o próximo recenseamento decenal - previsto para 2031 -, não para dirimir umas diferenças de números entre o INE e a AIMA – como sugere o Presidente da República –, mas para nos dar o ponto de situação que o país, neste momento de grande transformação, tanto precisa. Nos últimos anos, as perceções sucedem-se em catadupa. A população aumentou, impulsionada por uma vaga de imigração sem precedentes na história recente do país. Simultaneamente, a emigração continua, silenciosa, mas persistente. O número de estrangeiros residentes atingiu recordes históricos. A pressão habitacional tornou-se sufocante, com milhares de pessoas empurradas para situações de subalojamento ou expulsas para periferias cada vez mais distantes. As rendas aumentaram muito mais depressa do que os salários. Os transportes, a saúde e a educação enfrentam ruturas e dificuldades de resposta, não apenas por falta de recursos, mas também por ausência de planeamento adequado às novas exigências demográficas. Os Censos, na sua natureza mais elementar, não são apenas uma operação estatística. São o instrumento público mais poderoso para conhecer o país em detalhe. São eles que permitem às autarquias saber quantas escolas, centros de saúde ou transportes são necessários. São eles que permitem ao Estado planear infraestruturas, desenhar políticas sociais, dimensionar investimentos. E são também eles que permitem avaliar se a realidade corresponde ao discurso. Hoje, é cada vez mais claro que estamos a tentar governar com um mapa desatualizado. É notório o esforço do governo, do parlamento e dos serviços públicos em acompanhar a mudança. Mas, sem dados atuais, a política pública transforma-se num exercício de navegação à vista, porventura cheio de boa vontade, mas repleto de decisões pontuais, avulsas, muitas vezes reativas em vez de proativas. A pergunta que devemos fazer é simples: um novo censo é caro? Depende. O de 2021 teve um custo da ordem dos 30 milhões de euros. É dinheiro, mas, convenhamos, uma gota de água quando comparada com o prejuízo de gerir no desconhecimento. Os ganhos, por outro lado, estendem-se a todas as áreas da governação. A realização de um Censo extraordinário em 2026 não colide com a legislação europeia, que apenas impõe que os recenseamentos se realizem no primeiro ano de cada década. Esse calendário mantém-se. Este recenseamento de 2026 seria um exercício adicional, nacional, com o objetivo claro de captar as novas dinâmicas socioeconómicas e permitir uma governação mais informada, mais precisa, mais eficaz. Num tempo em que a realidade já não espera por calendários rígidos, o país também não pode esperar. Se queremos planear com inteligência, reduzir desigualdades, e responder com agilidade aos desafios da década, temos de começar por aceitar que não basta perceber que Portugal mudou. É preciso medir essa mudança. E fazer dela conhecimento. Porque, como bem sabemos, não se gere aquilo que não se mede. E isso é verdade, sobretudo, para um país. Professor catedrático