Porque é que o juiz Ivo Rosa foi investigado?

Publicado a

O caso da investigação do Ministério Público ao juiz Ivo Rosa não é apenas mais um episódio na guerra de bastidores da justiça portuguesa. Segundo revelou a CNN Portugal, o juiz foi seguido, vigiado e as chamadas do seu telemóvel foram escrutinadas. As suas contas bancárias e fiscais foram também devassadas com base numa denúncia anónima vaga, aparentemente não fundamentada, sem apresentação de qualquer prova.

Desde a Operação Marquês que Ivo Rosa se tornou uma espécie de ovelha ronhosa da máquina judicial. Ao arquivar dezenas de acusações contra José Sócrates, contrariou a narrativa do Ministério Público e não acompanhou o estrepitoso balir do rebanho político-mediático, que ansiava pela rápida condenação do ex-primeiro-ministro.

Sendo evidentemente discutíveis várias decisões de Ivo Rosa, a verdade é que ele expôs muitas fragilidades de uma acusação que, basicamente, quis dar passos maiores do que as pernas que tinha para andar.

De qualquer modo, mais de dois anos depois de Ivo Rosa ter, nessa fase do processo, destruído a acusação, esta foi praticamente reposta pelo Tribunal da Relação, que deu razão à maior parte dos recursos do Ministério Público e, tirando o tempo excessivamente demorado dessa apreciação, esse procedimento foi correto. É nesse enquadramento, depois de todas as partes se pronunciarem sobre as provas apresentadas, que Sócrates está a ser julgado, e bem.

O que está incorreto é uma decisão judicial, goste-se ou não dela, poder abrir caminho a retaliações institucionais, como parece ter acontecido aqui. Quando o acusador se transforma em perseguidor, instala-se o medo no seio da magistratura. E um juiz que se sente vigiado perde a liberdade de decidir apenas segundo a sua interpretação da lei e a sua consciência.

É claro que os juízes devem ser investigados, como qualquer outro cidadão, mas apenas se houver suspeitas válidas. Quais eram, afinal, as razões para suspeitar de Ivo Rosa? Não se sabe. Quase todo o processo, já depois de concluído e decretado o seu arquivamento, permanece vedado a jornalistas e, portanto, ao público, e anuncia-se mesmo a sua destruição para breve. É uma opacidade quase total.

Por um lado, prova-se aqui que o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República, quando querem manter uma investigação em segredo de justiça, sabem exatamente o que devem fazer, ao contrário do que é habitual.

Por outro lado, destruir e manter o segredo deste processo não resulta, como é óbvio, da hipócrita desculpa da salvaguarda da vida privada do juiz. O que se salvaguarda é a ocultação de possíveis atos concretos que põem em causa a reputação do Ministério Público.

O interesse público em escrutinar a legalidade dessas diligências é evidente. O segredo de justiça não pode servir de cortina para esconder eventuais abusos cometidos por quem representa a Justiça.

O Ministério Público não pode estar blindado ao escrutínio. O seu poder só é legítimo quando exercido dentro da lei e sob o olhar crítico da sociedade. Um processo secreto, baseado em fundamentos frágeis e que atinge a independência de um juiz, mina a credibilidade da própria justiça.

Se um magistrado pode ser seguido e devassado sem explicações claras, o que não se fará aos cidadãos comuns? Será que no Ministério Público pensam como André Ventura, que jura que, com ele a governar, já estava meio país político preso? Mesmo sem julgamentos verdadeiramente justos?

Jornalista

Diário de Notícias
www.dn.pt