Por um poder local antiparaquedistas

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O ponto de partida deste texto são dois estudos recentes publicados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Um, da autoria de João Cancela e José Santana Pereira, dedicou-se a “Compreender a abstenção eleitoral em Portugal” e um dos principais dados a reter é que as eleições autárquicas destacam-se das legislativas, presidenciais e europeias por serem as únicas em que a taxa de participação dos eleitores nunca foi inferior a 50%.

Outro estudo, mais extenso, o Barómetro do Poder Local (Filipe Teles e Nuno F. da Cruz), avalia o que pensam os portugueses sobre os autarcas e a capacidade/legitimidade/eficácia das políticas de proximidade, etc., partindo de 1070 entrevistas a residentes de Portugal continental, com 18 ou mais anos – sendo que 69,3% dos inquiridos disseram iriam votar nas autárquicas “com toda a certeza”.

“O que é que realmente conta na hora de votar?” foi uma das questões feitas pelos investigadores e, aqui, a maioria dos portugueses diz o desempenho da câmara e quem é o candidato/a são os fatores determinantes para decidirem o seu sentido de voto, deixando para segundo plano preferências partidárias, ideológicas e, até, as ideias vertidas nos programas eleitorais. Juntas estas conclusões, é fácil perceber a relevância do poder local no dia a dia dos eleitores, pois é aquele que pode mostrar mais rapidamente resultados efetivos na resolução de problemas da população. Assim a governação seja bem feita...

Porém, é aqui que muitas vezes a equação falha e desilude os eleitores. Tratando-se de 308 câmaras municipais e 3092 freguesias, há cargos de sobra para servir clientelas dos aparelhos partidários, ‘paraquedistas’ que nada têm a ver com a terra que querem governar ou ainda aqueles que saltitam de município em município para se perpetuarem no poder. E isso fere a confiança dos eleitores.

Sendo as autárquicas uma eleição tão específica, faria sentido também que os candidatos obedecessem a um escrutínio diferenciado? Por exemplo: terem, pelo menos, residido no concelho durante cinco anos, tempo suficiente para terem conhecimento sobre os territórios assente em experiência no terreno e não em relatos de terceiros.

Outra sugestão: criar na Anafre gabinetes técnicos regionais com a missão de recolher dados fidedignos que ajudassem os autarcas a tomar decisões e que também, a cada ciclo eleitoral, conduzissem entrevistas aos candidatos para aferir o conhecimento que têm sobre o concelho ou freguesia que querem liderar. A ideia não seria aprovar o candidato (esse papel continuaria reservado às estruturas concelhias e distritais do partidos), mas, sim, certificá-lo – mal comparado, funcionaria como as bandeiras azuis atribuídas às praias.

Outra sugestão: majorar o voto de quem mora há mais tempo no concelho, com mesas separadas por tempos de residência para manter o voto secreto (algo que já acontece, por exemplo, nas eleições de alguns clubes onde o voto dos sócios mais antigos vale mais). Se moro há 30 anos numa freguesia, não deveria o meu voto contar mais do que o de quem chegou ali há meses? É polémico, obrigaria a compromissos parlamentares alargados (para mexer em leis eleitorais é preciso uma maioria de dois terços) e fiscalizar a constitucionalidade das medidas propostas. Mas, acredito, faria bem ao país. E reforçaria a confiança dos cidadãos nas suas instituições mais próximas.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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