Depois da revisão constitucional de 1997, a lei fundamental passou a ser explícita: compete ao Ministério Público "participar na política criminal definida pelos órgãos de soberania". E vigora desde 2006 uma Lei Quadro da Política Criminal - que teve por base um projecto elaborado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal - onde está prevista a definição, de dois em dois anos, de objectivos, prioridades e orientações de política criminal , competindo a sua aprovação à Assembleia, sob proposta do Governo. Isto depois dela ouvir, além doutras entidades, o Procurador-Geral da República. Em homenagem ao princípio democrático, prevê-se nessa Lei Quadro que no início de qualquer legislatura possam ser introduzidas alterações aos objectivos, prioridades e orientações que estejam em vigor (e assim também quando se modifiquem substancialmente as circunstâncias), com precedência dessas audições. Isso não aconteceu após as duas recentes eleições legislativas, mantendo-se inalterada a lei de política criminal para 2023-2025, tal como aprovada pela Assembleia em Julho de 2023. A Lei Quadro previa, neste caso, o dever de apresentação da nova proposta à Assembleia da República, por parte do Governo, até 15 de Abril. Percebe-se bem que, com a dissolução da Assembleia em Março, tenha ficado prejudicado o cumprimento desse prazo por parte do Governo. Passou desse modo a caber-lhe fazê-lo, na legislatura agora em curso, logo que possível, já que a lei de política criminal para o último biénio entrou em vigor em 15 de Setembro de 2023. Infelizmente, vieram as férias parlamentares e as judiciais sem que isso tivesse sucedido. Para além deste encargo pendente, cujo cumprimento se aguarda para o início dos trabalhos parlamentares, há neste campo da política criminal outros deveres com prazo legalmente fixado para momento próximo – e não só recaindo sobre o Governo. Até 15 de Outubro, deve a Assembleia da República receber do Procurador-Geral da República, nos termos da Lei Quadro, um relatório sobre a execução das leis sobre política criminal. E está também nela expressamente contemplada a audição do Procurador-Geral da República pela Assembleia "para obter esclarecimentos acerca do relatório por ele apresentado", mencionando-se especificamente na Lei Quadro que este abrange "a matéria de inquéritos e de acções de prevenção da competência do MP". É uma matéria de que não é concebível a Assembleia da República possa alhear-se, havendo todas as razões para aguardar com grande interesse essa audição. Contrariamente à expectativa criada por várias declarações – nomeadamente do Presidente da Assembleia - o Procurador-Geral da República nomeado em Setembro do ano passado acabou por não ser ouvido até ao presente, a qualquer título, pelo Parlamento. Sucede que dispomos de um quadro legal que o prevê para a "rentrée", sem precisar, entretanto, de qualquer alteração. É só necessário que cada um faça o que deve … e não se limite apenas a mostrar-se disponível para cumprir aquilo que a lei torna exigível. Jurista, antigo ministro.Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico