Pessimismo proibido

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O New York Times relata que a Administração do Ciberespaço da China (ACC) puniu dois bloggers que defendiam uma vida com menos trabalho e menos pressão, uma influenciadora que afirmou que, financeiramente, não casar nem ter filhos fazia sentido, e um comentador conhecido por observar que talvez a China ainda não tenha a mesma qualidade de vida que o Ocidente.

A ACC lançou uma purga digital em grande escala, afirmando que irá restringir as publicações nas redes sociais que “promovem excessivamente emoções negativas e pessimistas”. O objetivo declarado é “corrigir as emoções negativas” e “criar um ambiente online mais civilizado e racional”; afirma querer limpar informações falsas e “predadores emocionais” que monetizam a tristeza, de que é exemplo o fecho de >1.500 contas em plataformas como o Weibo, por especularem sobre as causas da morte de Yu Menglong, um jovem ator que faleceu em setembro. Todavia, a campanha vai bem além, atingindo pessoas que não estão a espalhar desinformação, nem teorias da conspiração. Tudo o que estão a fazer é cometer o “crime” de desabafar a sua desilusão.

Muitos bloggers e participantes das redes socais questionam em voz alta um sistema que lhes impõe um estilo de vida de trabalho árduo, que era suposto proporcionar uma melhor qualidade de vida, nem que fosse a prazo. Como se não fosse normal alguém admitir online a frustração por estudar anos para ser economista ou gestor e apenas conseguir um emprego como caixa de supermercado. A verdade é que a tristeza, a frustração, o sarcasmo e o pessimismo fazem parte da natureza humana.

A desaceleração económica da China, decorrente de uma crise imobiliária (os preços dos imóveis caem há 3 anos, embora para muitos ainda sejam muito caros), da diminuição da confiança dos consumidores e da redução do consumo, e do elevado desemprego jovem (15%), alimenta um crescente sentimento de desilusão entre as gerações mais jovens. Este sentimento relativamente ao “sonho chinês” oficialmente endossado – uma vida de trabalho árduo e sacrifício sem nenhuma satisfação real – levou muitos jovens a adotar estilos de vida como o de “ficar deitado” (tǎng píng), i.e., uma vida minimalista, simples e sem stress. Dois influenciadores com milhões de seguidores foram banidos das redes sociais e do ciberespaço por promoverem o tang ping.

Esta campanha da ACC vai para lá da censura das palavras – seja para silenciar a dissidência ou os críticos do regime – numa tentativa de controlar os próprios sentimentos. É normal que um Estado-Partido Big Brother promova a “energia positiva” (zhèng néngliàng) e propagandeie o seu estrénuo pundonor pela felicidade das massas e o permanente contentamento destas. Porém, é duvidoso que banir o pessimismo nas redes sociais e silenciar o desencanto de uma geração desiludida seja inteligente ou eficaz.

Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

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