Para sermos mais rápidos precisamos da lentidão

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Pouco antes de começar a escrever este nosso “diálogo” semanal, li a entrevista de Peter Frankopan, jovem e aclamado professor em Oxford, autor de um livro que, de alguma maneira, ajudou a mudar um já anacrónico paradigma eurocêntrico. Em 2015, quando editou As Rotas da Seda – Uma Nova História do Mundo, nunca mais as discussões entre as elites académicas europeias e norte-americanas foram as mesmas, o centro do poder deixara de ser o Mediterrâneo para passar a estar muito mais a Oriente. Frankopan, numa conversa com a revista Visão de ontem, aconselhava as organizações e os políticos a pararem para ler e pensar.

Não podia estar mais de acordo. Cresci na ideia de que o crescimento se faz com ideias, processos e colocando sempre as pessoas no centro. Foi mítico o Centro de Estudos do Banco Português do Atlântico, um lugar onde jovens quadros se revelaram pelo seu pensamento, pela sua originalidade, pela procura de novos caminhos que os levaram a novos procedimentos. Gente como Artur Santos Silva e Rui Vilar pertenceram a esse think tank.

Como tenho aqui escrito, e como a Caixa Agrícola de Torres Vedras tem provado, não há nenhum motivo para que o cooperativismo não cresça e se imponha numa sociedade que nunca precisou tanto de uma nova ética, de uma cooperação efetiva, de uma proximidade que nos salve de um abismo de distanciamento. Vamos lançar a primeira pedra de um centro de estudos corporizado no nascimento de uma editora.

Lançaremos no próximo ano a coleção “Proximidade”. Um título que nos define e é uma provocação a esta época de comunicação tecnologicamente mediada. Os portugueses construíram a primeira rede de transportes e comunicações à escala global e – certamente que Frankopan o sabe –, ainda no século XVIII as observações astronómicas de jesuítas portugueses feitas na China foram publicadas em toda a Europa e no Novo Mundo, a partir de Londres na primeira revista científica moderna, a Philosophical Trasactions. Era a época em que o tempo coincidia com o tempo da natureza e dos ciclos da vida. Depois nasceu Benjamin Franklin que capturou a eletricidade numa tempestade. Todas as revoluções tecnológicas nasceram a seguir. Em pouco mais de duzentos anos não parámos de criar, de inventar, de evoluir. Entre o primeiro comboio e o nascimento da internet passou muito pouco tempo. Conversa para uma outra crónica.

A lentidão morreu no nosso espaço público e até interior. Perdemos muito com isso. Perdemos pensamento, perdemos humanidade e empatia. O cooperativismo e a ambição da Caixa Agrícola, e dos verdadeiros cooperativistas, tem mostrado resultados e tem rácios muito acima da média, mas precisamos de criar as condições para ter pensamento que promova futuro. Este será o nosso contributo. Uma coleção que supere em sínteses criadoras e capazes de ultrapassar a situação de distância existencial em que muitos se encontram hoje, para voltarmos a reunir-nos na proximidade que carateriza a única relação que, verdadeiramente, permite construir laços autênticos e de desenvolvimento humano. Seremos mais rápidos no futuro, mas para isso é urgente ressuscitar a lentidão.

A vida não é um sprint de cem metros, ou muito menos uma corrida de dez mil feita ao ritmo dos etíopes, ora depressa, ora devagar. A vida tem um sopro natural que importa respeitar.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

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