Os custos emocionais da greve

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É curioso que um Governo que durante ano e meio se mostrou incapaz de apurar o número de alunos sem um ou mais professores de forma prolongada (30 dias ou mais, por exemplo) tenha conseguido, em poucos dias, calcular o custo financeiro da greve geral de hoje, mesmo antes de saber o nível de adesão ou o impacto por sector de actividade.

O cálculo de 600 a 700 milhões de euros, que também já surgiu como sendo 792 ou 793, parece feito com a mesma máquina de calcular usada em tempos para calcular o valor da despesa com a recuperação do tempo de serviço dos professores. Recorde-se que em 2019 o então ministro das Finanças Mário Centeno falou num impacto de 800 milhões de euros e, em Fevereiro de 2023, o então primeiro-ministro António Costa chegou a extrapolar, em entrevista à TVI, um valor de 1300 milhões de euros. As finanças públicas ficariam em colapso, garantiam muitos especialistas, o que se verificou ser falso. Mas, em Portugal, fazer mal contas não é causa de insucesso, como demonstram as carreiras daquelas duas personalidades.

Voltando aos custos da greve geral (que estou a fazer, pois este texto é entregue no dia anterior à publicação), para abordar o modo peculiar como uma federação parental decidiu colocar a questão num comunicado datado de dia 8 de Dezembro, o que revela que até os feriados nacionais devem ser dias de intensidade produtiva. Percebe-se no documento da FEDAPAGAIA (Federação de Associações de Pais do Concelho de Gaia) que os seus associados são muito críticos da greve pois, se a apoiassem, os dramas terríveis que descrevem não se verificariam, pois poderiam ficar em casa, em família, partilhando tempo de qualidade com os seus educandos. Mas não, é gente para quem o direito à greve só deve ser exercido se não causar danos ou se não implicar “custos financeiros e emocionais significativos” (ponto 2.2 do documento). Ou seja, se for uma greve inócua, feita, se possível aos feriados, entre a meia-noite e as oito da manhã.

Antes de mais, quanto aos custos financeiros, quer-me parecer que serão mais elevados entre quem faz greve. Já quanto aos “custos emocionais” só posso manifestar a minha surpresa pois, afinal, nunca pensei que ficar um dia (ou dois) em casa com os filhos, se as escolas fecharem, fosse assim tão “custoso”. Mas estamos sempre a aprender e reconheço que me identifico pouco com certos aspectos desta “nova parentalidade”.

A FEDAPAGIA quer ainda que as direcções escolares cometam uma ilegalidade, quando “solicita (…) que assegurem, dentro do quadro legal aplicável, os serviços mínimos necessários para garantir a segurança e acompanhamento dos alunos”. Se não sabem que esse quadro legal não existe, deveriam saber. Não adianta falar em “responsabilidade” e “proporcionalidade” quando, no fundo, se pretende esvaziar a greve de efeitos. Tudo o mais não passa de cosmética retórica.

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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