Opinião Pessoal (LXXXV) sobre responsabilidade de uma tragédia em Lisboa

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A recente Tragédia da Glória fez-me reviver um outro grande desastre em Lisboa que tem sido pouco citado. Refiro-me à queda da cobertura das plataformas na chegada dos comboios da linha de Cascais, na Estação Ferroviária do Cais do Sodré, que acompanhei porque meu Pai era um dos médicos que então trabalhava no Banco de São José dos Hospitais Civis de Lisboa. No dia seguinte, já em casa, relatou à família o terrível acidente, que nunca mais esqueci. Foi uma lição de responsabilidade. Apesar de ser ainda jovem, tinha 15 anos de idade, compreendi que aquela calamidade não poderia ter ocorrido. Mesmo nunca. Não foi um tremor de terra, nem uma tempestade, nem um raio caído do céu que fez ruir os tetos do terminal dos comboios. Foram, isso sim, confirmadamente, erros de cálculos de engenharia, deficiências na construção e fiscalização imperfeita da obra.

Lembro-me das explicações de meu Pai sobre os cuidados de socorro que foram prestados, marcados pela precariedade de meios disponíveis naquele tempo. Foi uma situação trágica. Pouco passava das 4 horas da tarde, do dia 28 de Maio de 1963, quando as pessoas que saíam das carruagens do comboio que acabara de chegar ficaram soterradas pela cobertura de betão que cedeu repentinamente, tendo desabado em cima dos passageiros, provocando 49 mortos e 69 feridos.

Na capital, como no resto do país, as ambulâncias existentes eram poucas. Nessa época, à falta do 112 e do INEM, havia o costume de levar doentes e feridos para o hospital em automóveis privados que a acelerar buzinavam sem parar e que tinham um lenço branco pendurado na janela do carro, a assinalar a emergência. Nesse dia assim sucedeu. Gerou-se uma imensa confusão no centro da capital. A pressão no Serviço de Urgência era desmedida.

Foi o célebre engenheiro Edgar Cardoso que concluiu que a culpa do acidente tinha sido do projetista, o que viria a justificar o direito à indemnização das vítimas e familiares dos mortos e as sanções aos construtores da empreitada.

No Governo de Salazar, o Presidente da Câmara de Lisboa era por ele mesmo escolhido e nomeado sem ser eleito pela população. Aliás, o próprio Presidente do Conselho também nunca foi eleito, motivo pelo qual nesse tempo não se mencionava a questão da responsabilidade política. Não se falava de política. Os governantes ignoravam questões de Ética.

Agora é diferente. Sem causas atribuídas a desastres naturais, as infraestruturas geridas pelas instituições públicas não podem falhar. Não podem ruir. Por isso, há responsáveis, incluindo, inevitavelmente, a nível político.

Ex-diretor-geral da Saúde

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