Opinião pessoal (XCVI) sobre mosquitos vetores do Paludismo

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Ao contrário das infeções por Dengue, Zika ou Chikungunya, que podem adquirir expressão epidémica, começo por atestar que o risco de o Paludismo regressar a Portugal é praticamente nulo, apesar de ser uma doença transmitida por mosquitos existentes entre nós.

Tentarei esclarecer esta questão, em linguagem simples, baseado na minha experiência de ter vivido em África, entre 1980 e 1991, onde trabalhei como médico especialista em saúde pública.

Em contraste com Angola ou Moçambique, a Guiné-Bissau nunca atraiu colonos, em consequência das reconhecidas condições adversas do clima e pela elevada prevalência de doenças endémicas tropicais, nomeadamente o paludismo (a mais mortífera das grandes endemias). Mesmo assim, não hesitei em residir em Bissau, juntamente com a minha família. Tinha imensa confiança na eficácia das medidas preventivas, que observava com meticuloso rigor.

Na altura, recebi muitos ensinamentos de Francisco Cambournac (1903-1994), um eminente médico, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical que, regularmente, fazia missões como consultor no âmbito da cooperação portuguesa. Acompanhava-o durante esses trabalhos, desenvolvidos junto das tabancas e moranças em pleno mato. Cambournac era um sábio que dominava vastos conhecimentos de medicina, de biologia e antropologia. As suas conversas eram sempre cativantes. Um dia, depois do almoço em minha casa, em Bissau, iniciou um espantoso diálogo:

- Ó George já reparei que tem as portas e janelas completamente protegidas com redes, mas você já verificou, lá fora no pátio, o local onde dormem os mosquitos?

- Não, Professor. Por que razão?

- Porque os mosquitos dormem durante o dia sempre no mesmo sítio, uma vez que só ao anoitecer entram em atividade. Depois regressam ao mesmo local. Repare que têm hábitos que não mudam e, ainda por cima, estas mesmas rotinas são automaticamente transmitidas às gerações seguintes. Por outras palavras, os futuros mosquitos adultos que começarem a voar depois da postura dos ovos pelas fêmeas irão dormir nos mesmos locais!

- Não sabia. Mas se é assim, vamos lá ver onde estão a dormir.

Lá fomos analisar possíveis dormitórios. Ao fim de 10 minutos, com tom de regozijo indisfarçável, disse-me:

- Estão aqui nesta parede da garagem!

Fui ver a mancha escura que os mosquitos formavam. Dormiam nas paredes na posição oblíqua, característica dos mosquitos Anopheles (vetores do paludismo).

A seguir, aplicámos um inseticida com efeito residual nessa parede. Pouco tempo depois acabaram os mosquitos nas redondezas. Um sossego!

Para Cambournac a ciência envolvia ação.

(Continua)

Ex-diretor-geral da Saúde

franciscogeorge@icloud.com

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