Atrás, defendi a tese que os mosquitos anofelinos existentes em Portugal (espécie Anopheles atroparvus) não têm, nas condições atuais, risco de transmitirem os agentes do paludismo, incluindo os parasitas que circulam nas zonas tropicais, uma vez que estes são geneticamente diferentes dos que aqui existiam e que foram eliminados no final dos anos 60 (erradicados). Isto é, são as mesmas espécies de mosquitos, tal e qual como antigamente, mas, hoje, não transmitem o paludismo. Por outras palavras, as fêmeas dos mosquitos picam as pessoas durante os repastos sanguíneos que fazem, mas sem qualquer perigo em relação ao paludismo. Também salientei que, entre nós, a eliminação do paludismo resultou da ação conduzida por Francisco Cambournac, a quem devemos esta conquista.As doenças de transmissão vetorial não se limitam ao paludismo. São muito mais vastas, quer em seres humanos quer em animais, envolvendo múltiplos vetores: mosquitos, carraças, mosca da areia (flebótomos), pulgas, piolhos, culicoides...Ora, estes vetores, quando infetados, podem transmitir doenças provocadas por determinados vírus, parasitas e por certas bactérias. A nível mundial, por ano, estima-se que os óbitos causados por estas infeções serão, aproximadamente, 700 mil. Por isso, são considerados serial killers à solta no ambiente que nos rodeia.Por outro lado, muitos vetores estão, igualmente, implicados na transmissão de doenças a animais, motivando problemas na cadeia alimentar e na economia. A título de exemplo, menciono a situação identificada no Baixo Alentejo, que está confrontado com a propagação da “língua azul” em ovinos e caprinos.Ora, a “língua azul” constitui uma epizootia (expressão equivalente a epidemia, mas em animais), que, desde há um ano, adquiriu uma dimensão preocupante na Europa, designadamente em Portugal. É causada pelo vírus da Febre Catarral Ovina transmitido por vetores artrópodes do género Culicoides, que, assim, acarreta problemas nos rebanhos, nomeadamente a baixa produção de leite (produção de queijo). Tal como outras doenças de transmissão vetorial, a “língua azul” não é contagiosa entre animais (ruminantes) e, confirmadamente, não se transmite nem infeta seres humanos.Mas, os culicoides podem constituir um problema de saúde pública humana, devido à transmissão de outras infeções virais, como acontece em países da América Central e do Sul.Moral da história: é preciso refletirmos mais sobre as questões associadas aos riscos que os vetores significam, mas na perspetiva One Health porque a saúde humana, a saúde animal e o ambiente permanecem em constante interação.(Continua)Ex-diretor-geral da Saúde; franciscogeorge@icloud.com