Opinião pessoal (LXXXVIII) sobre a liberdade dos pais

Publicado a

O tema de hoje interpela questões relacionadas com a liberdade individual. Procurarei demonstrar que a liberdade de cada pessoa não pode prejudicar ninguém, incluindo, naturalmente, os filhos. Lógico.

Ora, como todos reconhecerão, a mãe e o pai têm deveres, inquestionáveis, sobre a proteção da saúde das respetivas crianças. Por outras palavras, têm a obrigação de tudo fazer para evitar doenças dos filhos, tal como para os proteger em relação ao frio, ao calor ou à malnutrição.

Aliás, o Estado, desde 1976, consagra o direito à Liberdade na Constituição da República, mas a sua interpretação tem fronteiras: o Capítulo dedicado aos “direitos, liberdades e garantias pessoais” estipula que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (número 5, do artigo 36º). Sublinho: direitos e deveres.

Nestes termos, os pais não têm liberdade para recusar a frequência da escola, do mesmo modo que não devem negar a vacinação de seus filhos. Deveres.

Se bem que, em Portugal, o assunto não represente um problema social, há países onde surgem sinais preocupantes ligados a grupos que insistem na propagação de ideias erradas sobre riscos da vacinação, que são geradoras de hesitações, comportamentos e estilos de vida negacionista. Essas opiniões, propagandeadas sem qualquer fundamentação científica, colocam em perigo não só a saúde dos pais, como, também, de seus filhos e da comunidade. Refiro-me, por exemplo, aos Estados Unidos da América, onde a irracionalidade da argumentação até é defendida por membros da governação atual.

Considero que um adulto tem o direito de recusar a ser vacinado, mas esse direito é apenas aceitável para si mesmo. Não pode impor essa negação a ninguém, incluindo aos filhos. O direito à liberdade é apenas para si, uma vez que tem o dever de proteção dos filhos em relação a doenças que são, comprovadamente, evitáveis pela imunização. Não tem o direito em negar a prevenção de doenças aos filhos.

Preciso.

Como norma, a seguir ao parto, ainda na maternidade, ao recém-nascido é administrada a primeira dose da vacina contra a infeção da hepatite B, que integra o Programa Nacional de Vacinação. É, por isso, universal e gratuita. Na idade adulta, essa criança ficará, depois de completado o esquema vacinal, protegida em relação ao cancro do fígado. Agora, admitamos, como cenário hipotético, que a mãe ou o pai não tinham autorizado a imunização e que a mesma criança irá adoecer com cancro do fígado, que teria sido evitado pelo cumprimento do calendário vacinal.

Dever de proteger os filhos ou direito à negação?

(Continua)

Ex-diretor-geral da Saúde

franciscogeorge@icloud.com

Diário de Notícias
www.dn.pt