Em outubro de 1980, aterrei no antigo aeroporto de Bissau. Antes, tinha estado em Brazzaville (Congo), onde iniciei a minha carreira de funcionário da Organização Mundial de Saúde, que viria a durar 12 anos consecutivos.Bissau era uma cidade única. Aprazível. Pairava no ar um perfume especial. Palmeiras, elegantíssimas, erguiam-se de entre a vegetação pintada por múltiplos tons de verdes, que quase escondia a cor vermelha das terras da região da capital guineense.Era, ainda, o tempo do presidente Luís Cabral e do líder do PAIGC, Aristides Pereira (presidente de Cabo Verde, mas que de quando em vez ia a Bissau).Rapidamente integrei-me na comunidade. À noite, havia o costume dos cooperantes portugueses frequentarem o Hotel 24 de Setembro. A beleza tropical e a tranquilidade da esplanada ao ar livre eram muito atrativas. Apesar de não estar ali hospedado, logo adquiri o hábito de participar nos convívios à mesa do café para trocar notícias sobre as políticas, tanto da Guiné-Bissau como de Portugal. Estas conversas noturnas eram fontes informativas imprescindíveis. Na altura, as novidades internacionais eram apenas acessíveis através das emissoras captadas em banda curta, uma vez que não havia televisão (muito menos internet) e que a rádio nacional só emitia em FM.Uma dessas noites viria, para mim, a ser memorável. Eram 21 horas, do dia 14 de novembro (1980). Lá estava eu sentado à mesa em tertúlia usual com guineenses e portugueses. Repentinamente, ouvem-se burburinhos, algazarras, correrias, tentativas de alguns telefonarem na receção do Hotel... Uma enorme confusão instalada em poucos segundos e que interrompeu a típica serenidade do local. Então, surgiram guerrilheiros de camuflado que no centro da esplanada montaram um tripé com uma metralhadora pesada. Outros revoltosos, com espingardas apontadas para nós, deram ordens para estarmos de pé com as mãos bem levantadas para cima. Assim aconteceu. Todos nós obedecemos imediatamente. Assustados, estávamos à espera de novas instruções. Eis senão quando, inesperadamente, aparece o empregado do Hotel “chefe de mesa” a perguntar ao líder da brigada revolucionária:- Ó camarada, quem paga as contas?Em resposta, ordenou em tom firme:- Baixem os braços, paguem as contas e voltem a pôr os braços para cima!Passados uns minutos, voltou a mandar:- Vão todos para os quartos, já! Ninguém sai!Ora, como eu não estava aí alojado, pedi a um português que, aliás, não conhecia, se poderia partilhar o quarto comigo.No dia seguinte, ficámos a saber que os tumultos correspondiam ao golpe de Nino Vieira que destituiu Luís Cabral.(Continua) Ex-diretor-geral da Saúdefranciscogeorge@icloud.com