Viva o Bloco Central

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1. Em pelo menos um tema há consenso político: ninguém gosta do Bloco Central. O CDS não o quer, o PS também não, o PSD tem debates a ver quem é mais contra o dito e o PCP e o BE não só o abominam como o culpam de todos os problemas do nosso regime.

O curioso é que toda a gente fala contra o Bloco Central, mas a larga maioria dos eleitores portugueses escolhe-o eleição após eleição, seja presidencial, legislativa, autárquica ou europeia. Nem mesmo as tendências europeias recentes fizeram que o Bloco Central perdesse a sua força na nossa comunidade. Desde a consolidação da nossa democracia não houve governo que não fosse liderado por alguém que não fosse do PS ou do PSD, não houve presidente civil que não viesse desses dois partidos e a maioria esmagadora das câmaras municipais são de um partido ou do outro.

A questão é que a discussão sobre o que é o Bloco Central está inquinada por dois acontecimentos extraordinários que são uma espécie de exceções que confirmam a regra: o governo de Soares-Mota Pinto e a geringonça. A coligação governamental PS-PSD foi uma resposta a uma situação de emergência nacional, nunca se voltou a repetir e teve uma vida breve. Já a geringonça, que é vista como a prova de que o Bloco Central está morto, aparece após outra situação de colapso e tem já o seu fim anunciado pelos partidos que a compõem. Além disto, corresponde a uma altura em que, de facto, o PSD se afastou da sua prática política habitual e de vários preceitos que sempre defendeu.

Ora, o Bloco Central foi o maior responsável pelo maior período de desenvolvimento económico, social e político da nossa história recente e fez de Portugal um país infinitamente melhor. Foram acordos explícitos ou tácitos entre o PSD e o PS que resultaram na universalidade da educação pública, no Serviço Nacional de Saúde, na Segurança Social, no reforço dos poderes das autarquias e na definição do seu papel, na solidez da condução dos negócios estrangeiros, na adesão europeia, na nossa presença na Nato, nas revisões constitucionais e em tudo o que, de facto, fez que este país mudasse. Curiosamente, quem mais defende algumas destas conquistas são os partidos que mais detestam o Bloco Central: o BE e o PCP.

O fundamental é perceber que o conceito de Bloco Central não implica que estejam ambos no governo. Nunca foi preciso para que acontecessem mudanças importantes. Como também não é necessário nem recomendável para que sejam feitas outras, cruciais para Portugal. Mas evidentemente há uma base comum entre o PSD e o PS que não existe entre estes dois partidos e o BE e o PCP.

Se algo a experiência da geringonça nos mostra é que é impossível mudar estruturalmente o que quer que seja com os dois partidos à esquerda do PS. Nem, em bom rigor, se esperava outra coisa. Um partido europeísta, respeitador da iniciativa privada, tem campos de acordo muito limitados com quem não acredita no projeto europeu e desconfia da iniciativa privada. E nem sequer é preciso ir a tanto, vejam-se as posições do PS e do BE e do PCP sobre a Segurança Social para perceber a impossibilidade de um acordo entre estes três num campo em que é fundamental reformar.

O erro que se está a tornar comum, e para o qual andamos todos a ser empurrados, é que não pode haver acordos, a conflitualidade pela conflitualidade é a pedra-de-toque, a negociação é um mal em si mesmo. Vive-se um clima em que ser moderado é ser colaboracionista, em que falar de acordos é fraquejar, quem pense sequer em negociar com um adversário é alguém que deve ser atirado às galés.

O Bloco Central não é uma ideia de coligação, é apenas a noção de que uma larguíssima margem da população se revê nos conceitos comuns do PSD e do PS, que não são poucos e que são os formatadores da nossa democracia. E, nesse sentido, quer que haja entendimentos nessas matérias. Fora disso ficam muitas outras, diferentes modos de funcionamento, métodos de implementação de políticas, pessoas, ideias, projetos e, claro está, formas de atingir resultados.

Tudo isto exige mudanças de governo. Quem defende os valores comuns aos dois partidos, o tal Bloco Central, não deseja coligações de governo entre os dois. Muito pelo contrário. Essa solução cria vícios, gera clientelas, faz que os extremos surjam como alternativa - obviamente que situações extremas podem exigir soluções extremas.

As democracias liberais ocidentais funcionam com alternância, não com revoluções de cinco em cinco anos. Não é possível qualquer tipo de crescimento, evolução, melhorias na qualidade de vida dos cidadãos se não houver em determinados aspetos consensos que ultrapassem os ciclos eleitorais.

Ninguém deseja que o PS e o PSD formem governo e muito menos que concordem em tudo, mas querer que se chumbe tudo o que vem de um e do outro é a negação da própria democracia, o sistema em que se acredita que é sempre melhor um acordo que um diktat.

2. Escrevo esta coluna há quase dez anos e não me recordo de ter aconselhado um livro, um disco, um espetáculo, uma exposição, um programa de televisão ou o que quer que seja. Vai ser agora e vale a pena quebrar a regra: a entrevista de Barack Obama a Dave Letterman é imperdível. Há todas as razões para a ver, mas a decisiva é ficarmos mais uma vez e de forma absolutamente evidente com a noção do bom homem e do genial político que ocupou a Casa Branca.

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