O "agarrem-me senão eu mato-o" do BE

Publicado a
Atualizado a

Para que as ameaças tenham algum efeito é preciso que sejam minimamente credíveis. Não é possível, assim sendo, levar muito a sério proclamações como a de Mariana Mortágua quando acusa o PS, num texto no Jornal de Notícias, de pôr em causa a estabilidade da atual solução governativa. O que fará então o BE? Vota contra o Orçamento?

Apesar de se saber que em tudo na vida temos de contar com comportamentos irracionais, não parece que o BE arrisque ser o responsável por eleições antecipadas. E, como garantiu o Presidente da República, é isso que se passará se a geringonça não se entender na votação do próximo Orçamento do Estado. Quem quer que fosse responsabilizado pela avaria irreparável na geringonça sofreria um grande revés - e tudo aponta para que o PS ganhasse muito com esta situação ficando com parte importante do eleitorado bloquista, sendo que o BE sofreria sempre mais do que o PCP, que não tem flutuações significativas de votos.

Os resultados governativos, sejam quais forem as razões, são bons. E é o governo, por muito que os parceiros se ponham em bicos de pés, que fica com a parte de leão do sucesso, ainda para mais todos os estudos de opinião garantem que uma parte importante do eleitorado de esquerda está contente com a solução. Quaisquer que sejam as circunstâncias, muito dificilmente o PS será visto como o autor da queda do seu próprio governo.

António Costa até será simpático para os bloquistas. Encenará umas negociações em que o governo fingirá que ouve o BE e o BE fingirá que ganhou alguma coisa, mas ficará tudo na mesma. Costa e Centeno revirão em baixa as metas do défice para gáudio dos parceiros europeus e dos mercados e deixarão o PCP (que tem sido muitíssimo mais comedido nas críticas) e o histriónico BE a falar sozinhos.

O Bloco de Esquerda pode não gostar de não ser ouvido, pode discordar da opção política de reduzir o endividamento, pode querer que esse dinheiro seja aplicado nisto ou naquilo, pode querer tudo e mais alguma coisa, mas no final meterá o rabo entre as pernas e reduzir-se-á aquilo que, neste momento, é: membro decorativo da geringonça.

Ou seja, a espécie de bluff dos bloquistas vai sair-lhes muito cara: no fim de tudo consolida a perceção de que os resultados da governação foram obtidos não com a contribuição do BE, mas apesar do BE.

No mesmo sentido, fica pela milionésima vez claro o carácter irrepetível da geringonça. Sempre que há uma questão estruturante, uma decisão que separa águas, o PS e os seus atuais parceiros estão em desacordo, sem terem sequer algum território comum para uma negociação. É no que fazer em relação à dívida, nas questões da segurança social, na posição face aos parceiros europeus, na legislação laboral, nas parcerias público-privadas e em praticamente tudo o que é decisivo. O que os uniu foi meramente conjuntural, logo, como indica a palavra, passageiro.

Quem decretou o fim do voto útil e a inevitabilidade de coligações à esquerda para formar governo enganou-se redondamente.

Qual seria o programa de estabilidade do PSD?

A discussão sobre a pseudocrise desta semana concentrou-se nos efeitos que poderiam advir para a solução governativa. No entanto, a decisão política de António Costa - chega a ser ofensivo para a inteligência do cidadão ouvir falar em medidas de Mário Centeno e é quase risível a tentativa de fazer do primeiro-ministro uma vítima do seu ministro das Finanças - cria sim mais um enorme desafio ao PSD e a Rui Rio.

Assistir ao BE e ao PCP a desprezar a importância do volume da nossa dívida e o (bom) impacto que a sua diminuição tem para o nosso futuro coletivo não choca ninguém. Já se sabe que, pelo menos, até à votação do próximo Orçamento nada farão, mas não deixarão de ter esse discurso e isso não só os distinguirá do PS como impedirá outro acordo de governo.

Já o PSD não pode, em bom rigor, deixar de, pelo menos, aplaudir as principais linhas do Programa de Estabilidade, nomeadamente a nova meta do défice. Há uma espécie de apropriação pelo PS daquilo que era uma tradicional bandeira do PSD, a do rigor orçamental. Ou como, nesta semana, dizia The Economist, "um governo de centro-direita estaria a fazer o que o governo socialista está a fazer". E está a fazê-lo com o apoio da extrema-esquerda...

Rui Rio herda um partido cujo único discurso era o anúncio da vinda do diabo e que fez tudo para alijar o seu património político. É normal que esteja com dificuldade e que leve tempo para encontrar um caminho. Mas é cada vez mais urgente que o tenha. É um erro não dizer nesta altura quais seriam as bases de que partiria para o "seu" Programa de Estabilidade, qual seria a sua política fiscal, quais seriam as prioridades para o investimento público.

É nos momentos em que o partido com o qual disputa uma parte comum do espaço político apresenta medidas importantes e definidoras de um caminho que as propostas alternativas do PSD têm de aparecer.

Impostos e o PSD

Gosto, porque tem razão, de ouvir o PSD dizer que a carga fiscal é absurdamente elevada e é preciso reduzi-la. Mas também gostava que os sociais-democratas dissessem de uma forma clara que é possível dar mais e melhores serviços à comunidade com menos impostos. É que sempre que há dificuldades aumentam-se os impostos e não se pensa como fazer melhor com os impostos que já se cobram.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt