Das claques aos novos partidos

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Na semana passada, escrevi sobre o regresso em força das claques nas redes sociais e a forma como elas ocupam e polarizam o espaço público. Por outro lado, também já me referi ao fenómeno da estabilidade do sistema partidário português, feito praticamente único dentro da União Europeia. Avancei com algumas razões para essa estabilidade. Primeiro, sabemos pelos inquéritos de opinião que há uma enorme insatisfação com os atuais partidos. Segundo, apesar disso, existem enquadramentos institucionais que penalizam o aparecimento de novos partidos. Enumerei essas condicionantes num artigo anterior. E usei o exemplo do PRD, um produto da austeridade de 1983-1985, para apoiar a tese de que, sem uma base de poder efetiva (como Belém ou a Câmara Municipal do Porto), é muito difícil ter um partido novo ao centro com uma vocação eleitoral expressiva. Terceiro, sobre o caso particular do Bloco de Esquerda, num outro artigo, defendi que o seu aparecimento, bem antes da crise de 2007, e o seu papel no sistema partidário nos últimos 20 anos são uma resposta estrutural de uma parte do eleitorado de esquerda à evolução do PS (o célebre socialismo na gaveta). Finalmente, a aparente opção pela abstenção (mais votos brancos e nulos) em detrimento de novos partidos ilustra uma "democracia suspensa no tempo", fruto de um consenso sobre o modelo "pombalista", que domina a cultura política portuguesa há 200 anos.

Com estes argumentos já desenvolvidos em vários artigos anteriores, parece-me evidente que a breve trecho não espero um grande sucesso eleitoral de novos partidos em Portugal. Não quero com isto dizer que seja improvável a subida do PAN nas próximas legislativas (talvez para a casa dos 3% e com possibilidade de formar grupo parlamentar) ou a eleição de um deputado por Lisboa da nova Iniciativa Liberal. Mas uma mudança súbita do sistema partidário à espanhola ou à italiana creio ser bastante irrealista. Aliás, quando um jornal de referência decidiu publicar uma notícia absolutamente incorreta sobre o meu envolvimento na formação de um novo partido centrista, a mesma foi prontamente desmentida (no mesmo dia), precisamente pelas razões óbvias aqui descritas. Se não acredito no êxito eleitoral a curto prazo de novos partidos ao centro, não faria qualquer sentido prático estar envolvido em semelhantes projetos.

A estabilidade do atual sistema partidário não significa, contudo, que os atuais partidos não estejam condicionados por mudanças na geografia e na demografia eleitorais. Nas eleições de 2015, já tivemos duas novidades. Pela primeira vez, o PSD e o CDS concorreram juntos e obtiveram um dos seus piores resultados (próximo dos dois milhões de votos), longe da maioria absoluta. No passado, a AD obteve duas maiorias absolutas e excelentes resultados eleitorais (próximo dos três milhões de votos). Uma coligação pré-eleitoral do PSD e do CDS tão desastrosa apenas tinha ocorrido em eleições europeias (em 2004 e 2014). Por outro lado, também pela primeira vez, o PS não foi o principal beneficiado pela perda de votos da direita (cerca de 700 mil), vendo-se obrigado a uma coligação inédita com os comunistas e os bloquistas. Consequentemente, neste novo ciclo político, apesar de serem os mesmos cinco partidos dos últimos 20 anos, há uma polarização nova. Pela primeira vez, a divisão esquerda/direita ocorre com o PS no governo. E a direita acumula sucessivos problemas eleitorais (na verdade, desde as legislativas de 2011, há mais de seis anos, a direita não consegue mobilizar o seu eleitorado).

É neste registo que entram as claques e as redes sociais. Notam-se alguns sinais de movimentos de opinião que, acredito, irão condicionar os "velhos" partidos a prazo. No atual ciclo, temos uma frente de esquerda, por razões óbvias - assegurar a estabilidade governativa. Contudo, existe uma corrente de opinião claramente visível nestas últimas semanas, não só defensora da ditadura venezuelana (como o PC), mas que preconiza uma solução estilo "bolivariana" para Portugal. Enquanto, em Espanha, esta corrente é a ala dura do Podemos, em Portugal encontra-se dispersa (tanto mais que, na minha opinião, o Bloco está a fazer a sua caminhada ao estilo Verdes alemão). Ao mesmo tempo, existe uma esquerda liberal, que não se reconhece numa solução estilo "bolivariana" (o "novo PS" como lhe chamou Paulo Trigo Pereira). Fechado o ciclo da geringonça, penso que assistiremos a um realinhamento dos seus partidos com base nesta inevitável tensão.

Na direita, também notamos duas correntes emergentes. Por um lado, os liberais dispersos pelo PSD e pelo CDS, a que se juntará a orfandade passista depois da inevitável derrota em 2019. Até que ponto este grupo consegue ter o seu partido (seja o PSD seja o CDS), ou se se vai remeter a uma longa travessia no deserto, é uma questão em aberto. Por outro lado, temos a "nova direita", com linguagem radical (contra o politicamente correto), admiradora q.b. de Trump e da FN - neste momento, ainda sem expressão eleitoral clara ou relevância efetiva no PSD e no CDS, mas com muita presença nas redes sociais. Creio que terá um papel influente no futuro da direita partidária, nomeadamente condicionando o discurso do PSD e do CDS.

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