Não há Macron português. E então?
A eleição presidencial de Macron, a formação do seu partido e o declínio dos partidos tradicionais prognosticados para as próximas legislativas francesas dentro de umas semanas (apesar de um sistema eleitoral que sempre beneficiou o PSF e a direita clássica) levantaram naturalmente a comparação com Portugal. Quem pode ser o Macron português? Se por Macron entendemos alguém que, tendo já algum passado político de primeira linha (Macron foi secretário-geral adjunto da Presidência da República em 2012 e ministro da Economia durante dois anos no governo Valls), abandona o seu partido para criar um movimento novo que ganha umas eleições e mexe com todo o sistema partidário, não há qualquer vestígio em Portugal. Na verdade, o debate sobre (a ausência d)o Macron português é uma mera iteração do episódio anterior - enquanto os sistemas partidários mudaram em quase toda a Europa nos últimos países, em Portugal nada mexe.
Se consideramos os países que enfrentam hoje um sistema partidário distinto do que tinham há dez anos, podemos apontar, sem grandes considerações específicas, exemplos como Espanha, França, Itália, Grécia, Alemanha, Reino Unido (ascensão e queda do UKIP), Holanda, Dinamarca, Finlândia e Irlanda. Suécia (a subida do SD já vinha de trás), Bélgica (a confusão já existe há muito tempo) e Áustria (os liberais já tinham tido um papel importante há 15 anos, mas o crescimento dos Verdes é uma novidade) são casos mais discutíveis. Considerando a UE15, apenas em Portugal e no Luxemburgo tudo parece estar fundamentalmente na mesma.
É verdade que temos o PAN com um deputado, mas veremos se cresce em 2019. Também é verdade que Marinho e Pinto conseguiu eleger dois eurodeputados, mas desapareceu nas legislativas por colossais erros de estratégia partidária. Temos uma geringonça pela primeira vez, mas vejamos. Por um lado, o BE ultrapassou a fasquia dos 10%, é verdade, mas teve menos seis mil votos do que em 2009 (acontece que a abstenção aumentou em 2015). Por outro lado, o CDS já foi o partido do táxi, mas está acima dos 10% desde 2009 (em 2015 não foi a votos sozinho). O PS e o PSD, partidos que outrora tiveram maiorias absolutas, agora não conseguem passar a fasquia dos 40%. Foi esta coincidência de aritméticas que gerou a geringonça. Mas isto são tudo contas dentro do mesmo sistema a cinco partidos, com os mesmos protagonistas (tudo gente que anda na política há uma década), as mesmas caras, os mesmos programas. A geringonça não resultou de um sexto partido entrar no jogo parlamentar.
Não há Macron. Não há partidos novos. Não há xadrez parlamentar com novos jogadores. Tudo na mesma. A primeira e óbvia explicação seria que, ao contrário dos restantes 13 países da UE15, temos uma enorme satisfação com o atual sistema partidário. Segundo o Portal da Opinião Pública da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a confiança nos partidos políticos era 13% em maio de 2016 (último dado disponível). Acima dos franceses e dos gregos, é certo (com 4% e 5%, respetivamente), mas próximos da Itália (12%) e abaixo da Holanda (35%), da Alemanha (22%), do Reino Unido (17%) e da generalidade dos países mais ricos da UE15. Portanto, não teremos o maior grau de insatisfação com os partidos políticos, mas claramente estamos no grupo mais crítico da UE15.
A segunda explicação é o próprio BE. Em 1999, superou os 130 mil votos. Nas últimas eleições legislativas, teve 551 mil votos: um progresso verdadeiramente assinalável. Claro que já teve as suas derrotas (nas eleições de 2011, perdeu metade do seu grupo parlamentar), cisões e crises internas. Transformou-se de um forte movimento de protesto da esquerda radical numa bengala parlamentar de um governo minoritário do PS (naquilo que tenho designado de evolução tipo Verdes alemães). O Bloco foi um Podemos ou um Syriza avant-garde. Portanto, como o BE chegou antes da troika, não beneficiou da mesma forma que o Podemos ou o Syriza do novo contexto social e económico. Assim, o sistema partidário português mudou desde 1999, pois entrou um novo jogador, mas num horizonte temporal mais longo e não em resposta à crise financeira.
Uma outra explicação possível aponta para os enquadramentos institucionais. Mas a esta explicação voltarei na próxima semana, uma vez que não é fácil compreender por que os portugueses parecem preferir a abstenção, voto branco ou voto nulo (44% em 2011 e 46% em 2015) em vez de novos partidos.
PS - Reúnem-se hoje, em Lisboa, os maiores especialistas do mundo sobre constitucionalismo em épocas de crise a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Há que aprender da nossa experiência recente, comparar com outras realidades e melhorar o nosso desenho institucional. Importa prosseguir a reflexão sobre um tema importante mesmo quando ele deixou de interessar à opinião publicada.