Passos Coelho percebeu ontem à noite que o tempo dele à frente do partido terminou. Há meses que o PSD tem um grave problema de sintonia com o país. O ciclo em que os sociais-democratas têm vivido, como principal partido da oposição, tem cada vez menos pontos de contacto com a realidade, com aquilo que os eleitores médios do PSD sentem nas suas vidas. Fazendo o paralelo com uma conhecida frase de Luís Montenegro em 2014, o país está melhor, mas o PSD está pior, porque não tomou conhecimento..Passos perdeu o país e por arrasto perdeu o partido. Dificilmente ficará para lidar com o pântano interno que sai destas eleições locais. O quadro que resulta destas autárquicas, sobretudo nas grandes áreas urbanas, revela um PSD com uma erosão inédita na sua base de apoio. 10% ou 12% em Lisboa e no Porto são assustadores para um partido de poder e os militantes sabem disso. Foi a fatura, pesada, pela dissonância entre o discurso da atual direção e a realidade. Ainda que com razões bastante diferentes, Passos está no exato ponto em que António José Seguro se encontrou em 2014. A maioria do partido, dos militantes de base e dos dirigentes locais perceberam ontem à noite que "com este não vamos lá" - com Passos não regressam ao poder. A rigidez estratégica que foi uma das marcas de Passos Coelho acabou por assinar a sua morte política. O PSD terá agora de acelerar o passo e encontrar uma nova liderança para se reencontrar com o país. A democracia precisa e agradece um PSD forte e em sintonia com o país. Não é o que temos tido..E a geringonça? O PCP perdeu ontem demasiadas câmaras para o PS. A digestão dessas derrotas será lenta, como tudo é lento e bem mastigado no PCP. Como se viu ontem à noite, ainda não é hora de esse sobressalto chegar ao discurso de Jerónimo. O facto é que o equilíbrio de poderes dentro do entendimento entre PS, Bloco, PCP e Verdes alterou-se profundamente com estas eleições. O PS sai reforçado - melhorou o resultado histórico de 2013 - e terá todos os incentivos para começar a desenhar uma estratégia própria rumo às legislativas de 2019. O PCP, com o chão a fugir-lhe debaixo dos pés, tenderá a carregar a nota da contestação social. Veremos o comportamento dos sindicatos nas semanas que restam de negociação orçamental. Os próximos meses hão de mostrar se a força gravitacional de um PS em crescimento não vai acabar por despedaçar os acordos para que não se despedacem PCP e Bloco..Em suma, há um novo ciclo político pós-autárquicas e não é só na direita, com a derrota de Passos e as vitórias de Cristas.