O ódio que nos consome e nos arrebenta por dentro (II)

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A crescente cultura de ódio pouco ou nada tem a ver com a identidade portuguesa – não temos, e nunca tivemos, uma cultura de ressentimento, mesmo nos momentos mais sombrios jamais prevaleceu o maniqueísmo que entorpece o espírito. Talvez possamos pensar um pouco em Salazar. Diabolizado por uns, incensado por outros, mal compreendido por quase todos. Para os que o detestam, instrumentalizando-o à luz do combate político, é uma perda de oportunidade pois teriam a ganhar se o pensassem racionalmente. Para os que o adoram, recusando pensar para lá de um conservadorismo fora do tempo, é importante que saibam o quanto ele, no alto do seu elitismo, os desprezaria.

Tenho três questões fraturantes que me afastam da persona política de Salazar. Em primeiro lugar, o ter continuado presidente do conselho após a Segunda Grande Guerra, podia e devia ter saído no tempo certo, no máximo em 1958. Em segundo lugar, o lápis azul, uma censura que nos limitou horizontes e nos trouxe a antipatia do mundo. Em terceiro lugar, a polícia política, as prisões e perseguições, a justiça politicamente arbitrária que não era a dos tribunais comuns. São temas relevantes e inultrapassáveis, o resto foram opções estratégicas que podem ser justificadas.

Salazar foi também um reformador. Criou uma classe média, industrializou o país e fomentou os estudos criando uma nova elite originária de meios desfavorecidos e culturalmente avessa à América. Confesso partilhar com ele algum desdém pela cultura norte-americana e pela identidade dos povos euroasiáticos. Os primeiros são bárbaros sem civilização e provocam a guerra com evidente facilidade, os segundos fazem da guerra uma condição de vida. Ora, este é um tempo de tambores à porta das fronteiras. Tambores de guerra militar, tecnológica, cultural e civilizacional.

As redes sociais revelaram-nos um novo mundo ao alcance de todos, mas essa boa ideia transformou-se numa perversa forma de relativizar valores e minar a democracia participativa e eletiva. O discurso da extrema-direita, também em Portugal, é vago, opaco e obscuro. É uma cultura que não vai do Minho a Timor, se quiser ser irónico diria que é uma cultura de aeroporto com ideias transviadas como se fossem malas por recolher. Nada do que pensam se aproxima do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, Agostinho da Silva ou do personalismo de Jacques Maritain inspirador da nossa Constituição e do atual ordenamento jurídico.

Sempre defendi princípios em que a vida é o valor supremo. Reconheço que estes conceitos chegam com dificuldade a uma parte importante da população portuguesa. Deixem-me regressar a Platão… como o filósofo escreveu na sua “caverna”, a emoção é um “conhecimento” próprio das crianças, o mais baixo grau cognitivo. Impossível não pensar nisso quando ouvimos e vemos Trump.

Nós Portugueses, construímos uma civilização mediterrânico-atlântica, na qual os povos que encontrávamos nunca nos serviram de luvas brancas, comemos como referi diretamente das suas mãos e fizemos-lhes filhos que são o resultado da nossa herança árabe de quase sete séculos, mais do dobro da vida que tem a nação norte americana.

Por onde entrou, então, este ódio em Portugal, tão contrário à nossa natureza? Por onde entra? Sempre pela Inveja, essa que nunca foi a marca predominante da nossa sociedade. Esta palavra, do latim in-videre, mais do que “mau-olhado”, significa “não-ver” e daí que se possa ficar “cego de inveja”.

Pensem comigo. Porque raio nos batem à porta todos os anos 30 milhões de turistas? O que esta gente procura que não tenha no seu país? Sol, certo. Praias e gastronomia, certo. Mas procuram também o que deixou de existir na maior parte dos lugares, uma ideia de encontro, do Bem, de uma felicidade no rosto de quem o recebe. A cultura portuguesa de Avis - a mais relevante no nosso modo de ser - podia hoje ser um farol para o Mundo. Agostinho da Silva previu-o. Seremos nós capazes de aproveitar este tempo mundial a nosso favor? Já Chega de nos sabotarmos.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

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