O voto em Sócrates e os videirismo do PSD

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Em Agosto de 2018, quando decidiu desfiliar-se do PSD, Pedro Santana Lopes dificilmente poderia ter sido mais claro. Escreveu um “texto difícil” através do qual, não escondendo a desilusão com o partido ao qual entregou 40 anos de paixão e convicção, manifestou a sua quase crónica frustração: “O que constatei foi que o PSD gostava muito de ouvir os meus discursos, mas ligava pouco às minhas ideias.”

Santana, o eterno enfant terrible de um partido ao qual sobra em cálculo o que escasseia em alma, tinha razão. Desligava-se porque uma outra vez a força criada por Francisco Sá Carneiro preferia o caminho dos profissionais da mercearia, o exército dos mangas-de-alpaca e os ressentidos com quem tinha retirado o país da necessidade financeira em detrimento dos que disseram presente quando Portugal mais necessitou e resistiram à contestação social quando as circunstâncias exigiam solidariedade. Optou pelos residentes em estúdios de programas sem audiência negligenciando a sua verdadeira natureza popular e interclassista.

Mais do que qualquer outro, o antigo primeiro-ministro constatou nessa altura que o PSD pagou - como quase sempre fizera - a videirinhos e a traidores. Aos que se arvoraram em herdeiros de Sá Carneiro. Aos que se fingiram fiéis depositários da pureza social-democrata. Aos “laranjinhas” por conveniência. Contra conselhos de alguns dos seus mais próximos, voltou a escaldar-se. Ignorou os efeitos profilácticos de 2005.

Há duas décadas, os despojos do barrosismo e as ambições do mendismo ajudaram a condená-lo a uma derrota penosa perante José Sócrates. Aquela que representou a primeira maioria absoluta do PS e abraçada com carinho por muito centro-direita encantando com o “animal feroz”, cujos escrúpulos já na altura eram passíveis de oposição. De um PSD sem princípios, com poucos meios e para quem os fins justificam (quase) tudo.

Recentemente, num debate presidencial, João Cotrim Figueiredo - que apoio e com quem trabalho nesta campanha - confrontou André Ventura com o assumido voto em Sócrates nas legislativas de 2005. O líder do Chega, com o habitual desapego que tem pela verdade, negou o que fizera há 20 anos. Azar dos Távoras: há áudios seus e livros baseados nessas gravações que comprovam a deslealdade ao seu partido de então e atestam o quão flexível é a sua espinha dorsal.

O mesmo Ventura que vocifera que Sócrates é corrupto e bandido é aquele que, hoje, se diz enganado pelo corrupto e pelo bandido no qual, em 2005, via um líder carismático e inspirador. Não há drama nenhum em ter votado em Sócrates. Muitos outros cruzados do PSD tiveram a mesma opção, inebriados pelo líder forte que se lhes era apresentado pelo PS. Não terá, aliás, feito muito diferente de outros sociais-democratas que hoje estão com Luís Marques Mendes, com Henrique Gouveia e Melo e até com António José Seguro.

Sócrates não enganou quem quis; enganou quem se entregou à patranha. Alguns, mais tarde, andaram em congressos das esquerdas, na Aula Magna, contra Pedro Passos Coelho. Outros estiveram ao lado do inefável Rui Rio contra Santana Lopes na disputa pela liderança do PSD. Outros estão agora com candidatos submarinistas ou com o pior que o PSD produziu em 50 anos de vida.

Ventura não é o candidato anti-sistema que apregoa. É uma excrescência do PSD, não muito diferente de Rio e Isaltino Morais (apoiantes de Gouveia e Melo) ou de José Pacheco Pereira (apoiante de Marques Mendes). Uns eticamente indecentes, outros estruturalmente ressabiados. Nenhum esteve com Santana em 2005. Só um (por conveniência) voltou a estar em 2018. O PSD, com medo da própria sombra, continuou a acariciá-los. Morrerá pelo complexo. Ou às mãos destes cabotinos, mais à esquerda ou mais à direita. Nestas presidenciais ou quando menos esperar. Merece.

Consultor de comunicação

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