O urso de papel
De acordo com estimativas da Federação de Cientistas Americanos, a Rússia tem 5.977 ogivas nucleares, das quais 1.500 estão fora de validade e, das 4.500 restantes, a maioria são armas nucleares estratégicas; dentre estas, os especialistas estimam que apenas cerca de 1.500 ogivas russas estejam atualmente “implantadas” (prontas para ser utilizadas) em bases de mísseis, bombardeiros ou submarinos. Terá ainda um elevado número (2.000?) de armas nucleares táticas - menores e menos destrutivas para uso de curto alcance em campos de batalha ou no mar.
Desde o início da guerra na Ucrânia, de cada vez que as Forças Armadas russas se encontram numa situação difícil - seja no pífio avanço inicial sobre Kiev, seja nas derrotas sofridas nas batalhas de Kiev, Sumy, Chernihiv, Kharkiv e na costa sul da Ucrânia, seja aquando de avanços ucranianos, seja aquando da destruição de navios da frota russa no Mar Negro - ou quando aumentam as sanções internacionais decretadas, para além do rosnar de vários siloviki, esbirros e sicários do regime, Putin repete a mantra da ameaça de utilização de armas nucleares (táticas, presume-se).
A doutrina militar russa diz que as armas nucleares só serão usadas se o próprio Estado russo estiver ameaçado. Os países ocidentais parecem acreditar que Putin não irá violá-la, nem alterá-la. Os EUA enviaram avisos vários dizendo que haverá consequências sérias, sem concretizar. A China, por seu lado, já fez saber ao presidente russo que considera inaceitável a utilização de armas nucleares na Ucrânia.
Parte da ameaça da Rússia é também para relembrar-nos que uma potência sem armas nucleares não pode derrotar militarmente uma superpotência com esse tipo de armamento. Mas, no caso vertente, o que está em causa é se a Ucrânia mantém a integridade territorial ou se cede parte do seu território em troca de uma paz duradoura (?), assim como o estatuto [neutral?] da Ucrânia em termos militares. A Ucrânia não tem capacidade militar, nem pretensões de invadir e derrotar a Rússia, de constituir uma ameaça à Federação Russa.
As ameaças de Putin de usar armas nucleares na guerra na Ucrânia não foram, nem são, consideradas sérias e a sua utilização neste conflito constituiria uma violação da doutrina militar russa e macularia por gerações a imagem internacional da Rússia.
Curiosamente, tal como na fábula de Esopo O Pedro e o Lobo, esta gritaria reiterada de “Putin e as armas nucleares” acaba por retirar credibilidade à liderança russa e ao poderio das Forças Armadas russas; em conjunto com o fiasco que a “operação militar especial” na Ucrânia se revelou, está a transformar a Federação Russa num urso de papel.
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