Tal como alguns portugueses, já fiz o meu julgamento dos crimes de José Sócrates enquanto primeiro-ministro e depois disso há muito. A informação sobre o processo não faltou, a acusação tem pontos irredutíveis e até o comportamento dele no julgamento por estes dias deixa-me poucas dúvidas. Tenha o desfecho que tiver. Quis-se por opção tosca há mais de 10 anos (!) que fosse o regime a ser colocado em cheque num mega-processo. Paga-se hoje esse preço a vários níveis mas a fatura é de ontem. Quantas vezes é que se ouviu, leu e se insinuou que aqueles que trabalharam com Sócrates e fizeram parte dos seus governos estavam envolvidos nas mesmas teias, corrupção e que patrocinaram alguns dos seus esquemas? Que o PS era uma espécie de partido de gangsters? É verdade que esta tese se acentua com a chegada da extrema-direita à política nacional nos últimos 6 anos mas nasce bem antes. Ora, tirando aqueles banqueiros, gestores que todos sabemos e pessoas como o Manuel Pinho que não se pode dizer que eram do PS, o que é que uma investigação exaustiva que existe há tantos e tantos anos a Sócrates nos diz? Aquilo que muitos não queriam que saltasse à vista e poucos anunciam como um dos factos políticos mais relevantes da infindável e interminável ‘Operação Marquês.’ Sócrates quando lesou, agiu sempre sozinho politicamente e com o desconhecimento do seu partido ou de quem esteve no governo consigo. Tanta prova recolhida e nem uma escuta que pudesse, pelo menos, incriminar alguém dos seus governos nos jornais, pensavam tantos. Nada. As sentenças abusivas aqui e ali, da rua e até de certos comentadores nas televisões tinham pouca ou nenhuma sustentação com a realidade. Que atire a primeira pedra quem nunca trabalhou numa empresa para um diretor ou uma diretora-geral sob a qual veio a perceber que talvez aquela pessoa não fosse tão séria quanto julgava ou até quanto se exigiria. Nos mínimos. Pois…Chegados aqui, uma parte do Ministério Público que é feito de mulheres e homens como em tudo na vida, ficou contaminada. Dominados por essa ânsia de colocar o partido do regime em cheque, lá conseguiram inventar uma operação chamada ‘Influencer’ para deitar abaixo um governo. Foquemos apenas no mais relevante após o famoso parágrafo da ex-PGR e ao longo dos últimos dois anos: três juizes a ditar o mesmo que o tribunal de instrução criminal. A convicção que não existia qualquer crime e que daí não tivesse feito qualquer sentido a prisão preventiva pedida pelo Ministério Público para dois dos arguidos numa primeira fase.A 17 de abril de 2024, o mesmo tribunal sentenciava o descrédito total da investigação e aquilo que era dado como prova. Chegou a ir mais além, ridicularizando a forma e o método dos “indícios de crime.” Políticos a serem políticos, a defenderem os interesses do país na sua conceção, empresários a serem empresários, juntando-se a necessidade de regulamentar o lobbying e por aí fora. A reação do Ministério Público a toda esta sentença que o colocava verdadeiramente em cheque foi parecida à de um ladrão que foi apanhado a roubar. Houve e existe mais: um ex-ministro e secretário de Estado escutado ilegalmente durante mais de quatro anos sem prova e razão que se conheça ao fim deste tempo todo. O processo que não avançou em dois anos e no qual já nem o próprio governo da AD acredita, aproveitando e seguindo com projetos que serviram como raíz desta ‘Influencer’, envolvendo uma empresa arguida que se mantém como executora máxima por ser a melhor para isso. Tal e qual como ontem.Finalmente e provavelmente mais grave do que tudo o resto: aquilo que este jornal noticiou tão recentemente. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a omitir escutas durante cinco anos a um ex primeiro-ministro. Veja-se: não se trata apenas da violação do Estado de Direito e do respeito pela separação de poderes aqui. É a confirmação de uma perseguição sem freios que culminou num golpe político em 2023.Dava e provavelmente dará um livro. Sócrates não deu cabo e muito menos contaminou o PS durante e depois da queda mas criou um trauma muito para lá do seu partido de então que perdurou aos dias de hoje. Em todas as esferas e na mais relevante de todas. Um trauma que cegou a justiça portuguesa e rebentou com a balança.