O “Trabalho XXI” é para este século, senhora Ministra?

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Esperar-se-ia que uma revisão do Código do Trabalho pomposamente chamada “Trabalho XXI” viesse efetivamente trazer o trabalho e a sua conciliação com o resto da nossa vida para este século em que vivemos. Não é isso que faz este projeto que o governo apresentou em pleno verão, muito pelo contrário. Por isso tem sido fortíssima a mobilização da sociedade civil e dos sindicatos contra este projeto que tem o condão de atacar, de uma só vez, direitos dos trabalhadores, direitos das famílias, direitos das crianças.

Não tem de ser assim. A evolução tecnológica tem sido imensa nas últimas décadas e continuará a ser nos próximos anos e é nossa obrigação – enquanto sociedade – de a utilizarmos para o bem comum. Se a tecnologia nos permite sermos mais eficientes, se hoje demoramos segundos para fazer o que antes demorava horas ou mesmo dias, porque não usamos essa eficiência para todos ganharmos mais tempo para nós, para a nossa família, para a nossa vida além-trabalho? Como é que um projeto chamado “Trabalho XXI” não fala da redução do horário de trabalho, não reduz o trabalho por turnos a setores essenciais, não começa o caminho para uma Semana de 4 Dias? Pelo contrário, o projeto do governo abre caminho para tornar mais penoso o trabalho por turnos, sem nenhuma consideração pelo tempo das pessoas e das famílias.

A tecnologia também nos permite estar todos mais interligados, o que poderia ser usado para equilibrar poderes e para fomentar alianças entre trabalhadores. Mas não é o que tem acontecido – a tecnologia tem promovido a precariedade e o deslaçamento dos laços sindicais, tem concentrado poder em grandes empresas e em poucos multimilionários por todo o mundo, tem aumentado a desigualdade entre quem mais tem e quem menos tem. Em vez de combater esta desigualdade e de reequilibrar a balança de poder que permitiria que o mercado do trabalho fosse mais justo, o projeto do governo agrava os direitos dos trabalhadores e restringe o direito à greve.

Mas não é apenas de evolução tecnológica que esta discussão deveria ser feita. Também o conhecimento evoluiu e hoje sabemos quão importantes são a saúde mental, os laços familiares, os afetos, a sensação de segurança nas famílias, sobretudo nos primeiros anos de vida de uma criança. E portanto, um projeto chamado “Trabalho XXI” que diz no preâmbulo que quer “uma conciliação equilibrada entre a vida pessoal e privada e a vida profissional”, teria sempre de partir dos direitos das crianças e das famílias para garantir a verdadeira conciliação. Não é o que este projeto do governo faz: desconsidera o luto gestacional, abre guerra à amamentação, não olha para a licença parental como um direito das crianças a estar com a família mais tempo, não garante a pais e mães o tempo necessário para acompanhar as suas crianças ao longo das suas vidas.

A mobilização foi tão forte que a Ministra já veio recuar em alguns aspetos. Mas não nos deixemos enganar: não é suficiente. Aquele projeto do governo partiu do ponto errado e deve ser rejeitado. Aliás, nem o nome se aproveita – lembra quando há 20 ou 30 anos, no início deste século, todos os produtos e todas as iniciativas tinham “XXI” no nome como ideia de progresso, mas o nome era só fachada – como é este retrocesso que o governo nos apresentou.

Líder parlamentar do Livre

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