A 26 de janeiro, seis dias depois de Donald Trump tomar posse como presidente dos EUA, uma sondagem do instituto Abacus dava 43% das intenções de voto ao Partido Conservador de Pierre Poilievre, contra 22% para os liberais de Mark Carney no Canadá. Mas nem foi preciso esperar os três meses até às eleições antecipadas para 28 de abril - devido à decisão do primeiro-ministro Justin Trudeau de sair do cargo e a eleição de Carney para o substituir como líder do partido e chefe do governo -para a tendência mudar. Com Trump na Casa Branca, a escolher o vizinho do Norte como alvo das suas tarifas e a insistir no Canadá como 51.º estado dos EUA, rapidamente as sondagens mostraram uma subida dos liberais, até se dar uma inversão em finais de fevereiro, com Poilievre, trumpista convicto, a ver os seus conservadores passarem para segundo. A ideia de anexar o Canadá foi expressa por Trump pela primeira vez em público em dezembro de 2024, quando recebeu Trudeau para jantar em Mar-a-Lago. Eleito para um segundo mandato há menos de um mês, o milionário republicano referiu-se então a Trudeau como “governador” e ao Canadá como 51.º estado norte-americano. Palavras que os seus colaboradores desvalorizaram como “brincadeira” mas cuja seriedade se revelou quando a ameaça de anexar o vizinho do norte, com os seus quase 10 milhões de km2 e uma população de 40 milhões, se foi repetindo já com Trump na presidência e a impor tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio, além dos automóveis canadianos. A ideia de os EUA anexarem o Canadá é tudo menos nova. Nos primeiros anos após a independência em 1776, vários políticos americanos defenderam a invasão e anexação do atual Canadá, e até pré-aprovaram a sua admissão nos Artigos da Confederação de 1777. Mas os fracassos em conseguir este objetivo, tanto na Revolução como na Guerra Anglo-Americana de 1812, levaram ao abandono gradual da ideia de anexar o gigante do norte. Até agora. O que Trump não imaginava era que o seu toque de Midas, no caso do Canadá, se viraria contra ele. E em vez de Poilievre - com o seu desprezo pelos media, o insulto fácil e o slogan Canada First, inspirado no America First do milionário americano - os canadianos preferiram o discreto Carney. E o novo primeiro-ministro, um desconhecido da política até há uns meses que aos 60 anos já foi presidente dos bancos centrais do Canadá e de Inglaterra, não hesitou em deixar clara a sua posição em relação às ambições expansionistas dos EUA de Trump. “O presidente Trump está a tentar vergar-nos para poder ficar connosco. Isso nunca vai acontecer, nunca”, garantiu no seu discurso de vitória. Nos próximos dias, deverá ir a Washington para um encontro com o presidente americano, vamos ver como este lida com o “gentleman simpático”, como lhe chamou após lhe dar os parabéns pela vitória.Editora-executiva do Diário de Notícias