O terror voltou às mulheres americanas

Publicado a
Atualizado a

Vou fazer mais pelas mulheres do que Hillary Clinton”, prometia em 2016. “Vou proteger as mulheres, quer elas queiram quer não”, disse agora nos últimos dias de campanha. A obsessão com as mulheres é óbvia, mas não é para solidificar os seus interesses - é para agir com base naquilo que o próprio considera que é o melhor para elas.

O resultado do dia 5 de novembro levou ao registo fotográfico de várias mulheres em lágrimas. O medo é justificado: foi Donald Trump que nomeou os três juízes conservadores para o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que viriam a encetar a reversão da Roe vs. Wade em 2022, que definia o direito ao aborto a nível federal até aos 3 meses (ou em caso de risco para saúde da grávida, em períodos mais extensos).

Depois disso, 14 Estados baniram o aborto em quase todas as circunstâncias, e outros quatro baniram o direito ao aborto depois das seis semanas de gravidez, sendo que em alguns Estados os casos de violação e de incesto são exceções, mas não em todos.

Não é preciso ser médica obstetra para saber que a maior parte das gravidezes não são percetíveis com 6 semanas, nem suscitam sintomas num estado tão inicial. O que significa que as mulheres são punidas por causa de uma gravidez, mesmo antes de saberem que ela existe.

Estas diferenças entre Estados acentuam ainda mais as desigualdades sociais e a exclusão no país: com o aborto a manter-se legal em vários Estados, a única opção é viajar longos quilómetros que podem durar dias para conseguir cumprir a sua autonomia corporal, mas só o pode fazer quem tiver capacidade financeira e disponibilidade temporal para tal. Resultado? Este atentado aos direitos sexuais e reprodutivos vai punir ainda mais as mulheres pobres, negras, imigrantes, mães sozinhas, líderes de famílias já numerosas e para as quais já não dá mais para dividir o que se recebe.

Prever a vitória de Donald Trump era antecipar as restrições ainda maiores sobre as mulheres: o agora 47.º presidente dos EUA disse que vetaria uma proibição nacional ao direito ao aborto, mas tem sido inconstante e evasivo quando questionado sobre o tema. Sabemos que a coerência não é a sua melhor característica. Além disso, as figuras de que se rodeia têm posições altamente preocupantes: o seu vice-presidente, J.D. Vance, disse em 2022 num podcast: “Certamente que eu gostaria que o aborto fosse ilegalizado a nível nacional.”

As restrições já vigentes estão a ter consequências também nas mulheres que querem manter as suas gravidezes: no Texas, um dos Estados em que o aborto é proibido em todas as circunstâncias, houve uma vaga de saída de profissionais de saúde e de médicos ligados à saúde reprodutora, por receio de serem confrontados com situações em que a sua prática os leve a serem punidos criminalmente. Isto levou a que a mortalidade materna atingisse a taxa mais alta desde 1965.

Além disso, há cerca de dois milhões de mulheres americanas que vivem em áreas rurais praticamente sem centros obstétricos, devido aos cortes de financiamento de hospitais e centros médicos.

Este é o terror que regressou às mulheres americanas - não necessariamente porque possam querer fazer uma interrupção da gravidez, mas porque sentem o assalto que está a ser feito aos seus corpos, às suas vidas e à sua liberdade.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt