O que se joga entre Trump, Zelensky e Putin, neste outono de 2025, ultrapassa largamente a dimensão convencional do teatro diplomático. Depois de regressar à Casa Branca, Trump trouxe consigo o mesmo ímpeto de imprevisibilidade que tão bem lhe conhecemos, mas encontra agora adversários com manobra própria e aliados menos previsíveis do que seria desejável. Zelensky, por exemplo, pode parecer um alvo fácil à primeira vista, mas não há nada de submisso na sua estratégia. Pelo contrário: a aceitação sem reservas de um cessar-fogo incondicional foi, para muitos, uma capitulação; para quem analisa friamente as dinâmicas do poder, trata-se de uma jogada que força Washington a assumir responsabilidades indesejadas, obrigando Trump a confrontar o facto de que prolongar o conflito já não pode ser apresentado como patriotismo puro.Enquanto a manobra de Zelensky forçava Washington à inação calculada, com Putin, o ritual mantém-se, mas o guião está a perder força. Desde 2022, o Kremlin multiplica ameaças: promete cada vez, que o Ocidente reforça o seu apoio militar, que virá aí a escalada – ora é o uso de mísseis hipersónicos, ora tubos de ensaio nucleares, ora novas “linhas vermelhas” que o Ocidente estaria prestes a cruzar. Na prática, o cenário assemelha-se à velha fábula do Pedro e o Lobo: tantas vezes se anunciou a catástrofe que a credibilidade se diluiu. A cada aviso de apocalipse nuclear ou promessa de mudança estrutural no conflito, o efeito desvanece-se. E, numa versão ainda mais rebuscada do mesmo conto, Putin acena recorrentemente com aberturas para diálogo e negociação – sempre pronto para encontros, disponível para cimeiras, mas invariavelmente incapaz de materializar qualquer cedência da sua posição maximalista e qualquer solução concreta. A repetição do gesto vazio fragiliza o próprio capital simbólico do presidente russo e coloca Moscovo num lugar secundário no teatro de poder onde gostaria de ser protagonista absoluto.A pressão económica vem agravar esta deriva. O décimo nono pacote europeu de sanções, reforçado pelos embargos americanos à Rosneft e Lukoil, atinge em cheio o aparelho económico e financeiro russo. A resposta não é só a retórica belicista – passam a surgir, nos corredores do Kremlin, nomes como Kiril Dmitriev, o tecnocrata responsável pela gestão de fundos, a tecnocracia chamada a gerir danos e a propor cedências pragmáticas. A Rússia percebe que a teatralidade e a narrativa musculada já não chega: é preciso cálculo e pragmatismo, e o próprio Putin acaba envolvido em circunstâncias que não controla plenamente.Tudo isto decorre sob o olhar atento de Pequim. A China apoia Moscovo sempre que lhe convém, tornando-se peça-chave do xadrez energético e fornecendo simultaneamente um alvo para Trump explorar a via da pressão indireta. Washington, por seu lado, hesita: adia cimeiras, oscila no envio de Tomahawks para Kiev, e alimenta divisionismo interno entre isolacionistas e falcões. O episódio do adiamento do encontro entre Trump e Putin – justificado por “questões logísticas”, mas no fundo um sinal de desconforto perante a imprevisibilidade da encenação – ilustra a instabilidade estratégica do momento.Trump, fiel a si próprio, prefere manter a incerteza – quer reclamar o crédito mediático de um desfecho, mas recua perante os custos de uma confrontação aberta. Só que, à medida que o tempo decorre, o espaço de cada protagonista vai ficando mais estreito: os cenários multiplicam-se menos e os limites de ação tornam-se cada vez mais evidentes. Hoje, já não é tudo imprevisível; pelo contrário, há uma inevitável concessão à lógica dos factos e à erosão das margens de manobra.A história não acaba aqui. Mas é cada vez mais evidente que, por detrás do espetáculo, o comando do guião se torna difuso e os caminhos estreitam-se. Resta saber quem saberá manobrar no pouco espaço restante — e quem ficará a ver o pano cair. Analista de Estratégia, Segurança e Defesa