O conceito de soft power pode sintetizar-se num conjunto de estratégias adotadas por um Estado, sem recurso à força, que permitem reforçar positivamente a imagem externa do país, gerando simpatia por aspetos culturais ou reconhecimento internacional de uma especialização num determinado tema/área. A expansão do subgénero musical k-pop para lá das fronteiras da Coreia do Sul, juntamente com o sucesso do cinema e séries sul coreanas (Parasitas fez história, em 2020, ao conquistar o Óscar para melhor filme, enquanto que, em 2021, Squid Game liderou as audiências globais da plataforma Netflix), preconizaram a chamada Onda Coreana (Hallyu), uma sinergia entre o Estado e a indústria cultural que se tornou exemplo cabal de como é possível influenciar outros países, abrindo campo a parcerias, oportunidades de negócio, atraindo turismo e exportando o modo de viver sul-coreano, sem sequer colocar uma única vez um dedo em riste..Verdade seja dita, Portugal tem hoje dois atores importantes no tabuleiro internacional de hard power – António Guterres na ONU e António Costa no Conselho Europeu – mas está há anos a retirar vantagens, embora de forma não deliberada, da nossa maior arma de soft power: a versatilidade e talento para o futebol. Falemos dos nossos 'embaixadores', os que deram e dão selo de qualidade internacional ao futebol português: os Magriços de 66, com um super Eusébio à cabeça; as geniais fintas de Chalana em França e as arrancadas poderosas de Paulo Futre no velhinho Vicente Calderón, em Madrid; as carreiras sólidas de Rui Costa, Fernando Couto, Paulo Sousa e Sérgio Conceição, entre outros bons jogadores da geração 90, em alguns dos principais campeonatos europeus; a classe pura de Figo, o primeiro português a ser eleito melhor do Mundo pela FIFA em 2001; a inovação técnica e comportamental que José Mourinho trouxe ao cargo de treinador, abraçando enorme sucesso e reforçando o estatuto do técnico made in Portugal, que mais recentemente Jorge Jesus, Abel Ferreira e Artur Jorge (já este ano) ajudaram a engrandecer com façanhas históricas na América do Sul (três 'dobradinhas' no Brasileirão e Taça Libertadores da América). Depois, como é evidente, a história do futebol português e mundial não se escreve sem falar de Cristiano Ronaldo, o 'rei' dos nossos 'embaixadores', capitão de equipa no maior feito desportivo da seleção nacional – a vitória no Euro 2016 – e dono de todo o tipo de recordes individuais e coletivos..E no que é que tudo isto se traduz? Esta semana foi confirmada a atribuição da organização do Mundial 2030 a Portugal, Espanha e Marrocos, corolário também do trabalho de Fernando Gomes à frente da Federação Portuguesa de Futebol, conduzindo as diferentes seleções (futebol masculino e feminino, futsal e futebol de praia) a um desenvolvimento sustentado, multidisciplinar e sem precendentes. Um estudo da consultora PwC aponta a um impacto superior a 800 milhões de euros no PIB nacional. O Mundial 2030 será também uma alavanca para o turismo e para a promoção de emprego. O futebol dará a Portugal uma montra global. Ainda assim, uma certa elite política e cultural, qua também se ramifica em alguma comunicação social, continua a olhar para o futebol (e para o desporto em geral) como uma atividade menor, de mero entretenimento, quase ao nível de um jogo de matraquilhos. É um desdém que, acima de tudo, revela ignorância e preconceito. O soft power da bola está vivo e dá frutos. Não o desperdicemos.