O que fazer com a Rússia?

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À hora a que estas linhas foram escritas, ainda não se conheciam os resultados das Eleições Presenciais americanas. Porém, seja qual for o resultado, há uma questão a que a Europa, mais tarde ou mais cedo, terá de responder: o que fazer com a Rússia no longo prazo, independentemente do que suceder na guerra da Ucrânia?

Desde as guerras que se seguiram à Revolução Francesa até à tomada do poder pelos bolcheviques em 1917, a Rússia desempenhou um papel fundamental no sistema de alianças europeu. Primeiro como inimiga de Napoleão e pilar da reacionária Santa Aliança contra as ideias revolucionárias, juntamente com a Áustria e a Prússia. Depois, como aliada da III República Francesa contra a Alemanha do kaiser. Durante esse “longo século XIX” de que falava Eric Hobsbawm, a Rússia foi um império autocrático, com o qual as potências europeias competiam na Ásia Central e nos Balcãs, mas ao qual recorriam como aliado quando precisavam de alterar em seu favor o equilíbrio de forças no Velho Continente.

Tudo isto mudou com a queda do czarismo e, em simultâneo, com a entrada dos Estados Unidos no teatro europeu da Primeira Guerra Mundial. Por um lado, os americanos tornaram-se o aliado externo que poderia ser chamado para equilibrar as forças presentes na Europa, papel que passaram a desempenhar de forma permanente após 1945. Por outro, a Rússia passou a ser vista como uma perigosa inimiga ideológica, que poderia subverter a ordem vigente.

"Negociar com o Kremlin uma nova arquitetura de segurança que inclua a Rússia, com os riscos que isso implica", poderá ser um dos dois caminhos possíveis por onde a Europa terá de enveredar a longo prazo. FOTO: D.R. / Arquivo

Devido a essa desconfiança ideológica, o pacto franco-soviético de 1935, firmado para conter a ameaça nazi, nunca passou do papel e um ano depois já era letra morta. E, por outros motivos que não apenas a rivalidade ideológica, poucos anos depois também o pacto de não-agressão entre Hitler e Estaline foi violado pelos alemães à primeira oportunidade, atirando os soviéticos para uma aliança contranatura com as potências anglo-saxónicas. A qual estava destinada a transformar-se em hostilidade recíproca assim que os alemães se rendessem.

Seguir-se-iam quase cinco décadas de Guerra Fria, durante a qual a Europa acolheu de braços-abertos os aliados norte-americanos e, em larga medida, adotou o american way of life. Entretanto, a NATO foi criada com o objetivo de manter “os russos fora, os americanos dentro e a Alemanha em baixo”, nas palavras de Lord Ismay.

Só muitos anos depois, com a Queda do Muro e o colapso da URSS, surgiu uma oportunidade para voltar a integrar a Rússia no “concerto europeu”. Mas, por várias razões, que não foram da responsabilidade exclusiva de uma das partes, tal não aconteceu.

A este respeito, Richard Nixon concedeu uma entrevista premonitória, poucos anos antes de morrer, onde defendeu que a Guerra Fria terminou não com a derrota da Rússia, mas sim dos comunistas. E que, se os ideais de democracia e liberdade não fossem bem-sucedidos na Rússia dos Anos 90, haveria uma “reversão, não para o comunismo, que falhou, mas para um novo despotismo, que representaria um perigo mortal para o resto do mundo, porque estaria infetado com o vírus do imperialismo russo, que faz parte da política externa russa há séculos”. E acrescentou: “Se a democracia falhar na Rússia, será um exemplo para a China.”

O que aconteceu nas décadas seguintes demonstra que Nixon estava certo. A Rússia não foi integrada e seguiu o caminho oposto, rejeitando os valores ocidentais e regressando ao pan-eslavismo, à ortodoxia e ao mito da “Terceira Roma”. Nada de novo: a História russa parece ser feita de ciclos de atração pelo Ocidente, logo seguidos de outros de repulsa; e após a breve janela dos Anos 90, veio a repulsa.

O que pode a Europa fazer com a Rússia no longo prazo, sobretudo se os EUA reduzirem os seus compromissos com os aliados? Partindo do princípio - bastante discutível - de que essa mudança ocorre de facto, olhemos para dois cenários: ou a Europa se rearma rapidamente e mantém uma guerra fria com a Rússia durante anos a fio; ou, em alternativa, senta-se à mesa para negociar com o Kremlin uma nova arquitetura de segurança que inclua a Rússia, com os riscos que isso implica.

A estes junte-se outro cenário, em que as duas coisas acontecem em simultâneo. Nenhum será fácil.

Diretor do Diário de Notícias

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