O problema não são os outros. Somos nós.

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No domingo à noite, dois acontecimentos marcaram o espaço mediático nacional: o clássico Porto-Benfica que levou Mourinho, de novo, ao Dragão e fez correr muita tinta e a chegada dos quatro ativistas portuguses que, no final de agosto, integraram a flotilha humanitária rumo a Gaza. Ambos os eventos ocuparam horas infindas de noticiários televisivos, encheram os nossos telefones de notificações e provocaram, como agora é hábito, um chorrilho de reações nas redes sociais – porque agora, se não reagirmos nas redes, não é considerado reação.

Aos comentários sobre o futebol já ninguém liga muito, e já é dado como certo que o debate não é muito elevado – lamentavelmente. Mas os comentários que se multiplicaram, desde o início da manhã de domingo, sobre os ativistas portugueses, é algo que nos deve fazer refletir.

Vamos, mais uma vez, por partes: toda a gente tem o direito de fazer o que acha correto em prol das suas lutas. Podem manifestar-se, podem fazer voluntariado com sem-abrigo, com animais ou com bebés, podem pertencer a movimentos sindicais, podem entrar em partidos políticos e podem embarcar em flotilhas humanitárias. E toda a gente tem, no mesmo sentido, o direito de discordar dessas ações e de as não fazer. E está tudo bem. Podemos até, discutir, se a ida de Mariana Mortágua – porque na verdade, as críticas foram particularmente à deputada do BE – foi ou não uma manobra política. E podemos discordar da sua ida, naturalmente. Agora, o que não podemos é incitar ao ódio e à violência, que foi algo que se viu assim que os quatro ativistas foram detidos, e quando se soube que as autoridades portuguesas estavam – e bem – a tratar do seu regresso.

Desde pessoas com responsabilidades políticas a cidadãos comuns, a onda de ódio que se fez sentir reflete bem o nível de extremismo e de intolerância que vivemos atualmente. A incapacidade que temos de dissociar a nossa discordância política de uma questão humanitária – as autoridades não devem deixar cidadãos portugueses sozinhos, nunca. E muito menos negar-lhes apoio, sobretudo quando estão num país cuja hostilidade é reconhecida – tem de nos preocupar. A incapacidade que mostramos na convivência com convicções ou crenças que não são as nossas, tem de nos preocupar. A História tem-nos mostrado – nem precisamos de recuar assim tanto no tempo! - que de cada vez que nós nos afastamos uns dos outros; que aumentamos os fossos e incentivamos à intolerância, as coisas correram muito mal para as sociedades. E não são apenas os governantes ou só líderes políticos que o fazem e que têm responsabilidades nisto. Somos todos nós, os que destilamos comentários odiosos e violentos contra pessoas que atuaram de forma diferente daquela que nós faríamos. Somos todos nós, que andamos a tornar a sociedade num lugar muito feio para se viver.

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