O preço dos jovens

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A taxa fixa é aquela medida de política que parece ficar bem num outdoor de campanha. Na velocidade estonteante dos nossos dias, quem passa de carro e o vê, dedica os seus 3 segundos de vida ao assunto interiorizando: “Parece justo, é igual para todos.”

E é nesse momento que se contraria o silogismo: é que no caso, igual para todos é desigual para todos. O argumento seria válido numa lógica meritocrática qualquer, no caso do rendimento de cada indivíduo estar apenas dependente da dialéctica entre vontade e preguiça, o que sabemos não ser verdade.

O IRS Jovem do Governo da AD, promove uma taxa fixa de 15% sobre os rendimentos dos jovens até aos 35 anos de idade. Isso quer dizer que um jovem no 8.º escalão de IRS com um vencimento mensal de 5000 euros terá uma poupança de 1000 euros por mês, enquanto um jovem que receba até 1000 euros por mês poderá beneficiar até 55 euros. Sabemos que a grande maioria dos jovens está neste segundo patamar, exactamente os mesmos que não vão conseguir usufruir das isenções de imposto para a aquisição de casa até aos 633 453 euros ou da garantia pública para o mesmo efeito até ao valor de 450 mil euros.

Parece que com este apressado arranjo político, Luís Montenegro se queira distinguir do Governo de Pedro Passos Coelho, período da história contemporânea em que maior número de jovens abandonou o país. Mas é só susto estético. Os mais beneficiados destas políticas já o eram, nunca tiveram razões para abandonar o país e agora até vão ter menos concorrências dos seus restantes pares e de qualquer agregado familiar com rendimento médio para adquirir habitação.

Podiam ser só pop-ups de algo mais profundo e estruturado, mas a verdade é que nas últimas décadas, o pouco que aparece nos media sobre políticas da juventude quase que coincide com a totalidade existente para esse segmento da população, o que é manifestamente pouco. Aliás, uma súmula de todo o debate quase que sugere que neste país só há jovens qualificados.

Há um outro lado desse cenário, mas parece dotado apenas a crónicas criminais, numa espécie de fundo perdido de República, nomeadamente no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Na sua última versão, a de 2023, refere um aumento da delinquência juvenil e da criminalidade grupal, sendo esta atribuída a jovens entre os 15 e 25 anos de idade moradores na Área Metropolitana de Lisboa nas Zonas Urbanas Sensíveis.

A “causa” dos jovens da periferia de Lisboa tem sido uma constante nos RASI desde o seu início, muitas vezes ultrapassando em importância verdadeiros atentados à segurança do país, como as acções da extrema-direita ou a violência doméstica: o crime que mais mata em Portugal.

Ano após ano, a leitura do RASI parece induzir que o destino desses jovens se deve apenas à sua natureza. E aqui voltamos ao mérito: que destino tem um jovem que nasce segregado, com pais ausentes em múltiplos trabalhos para sobreviver, que sofre de racismo estrutural, sem qualificações, sem documentos de cidadania, sem comida na barriga, sem possibilidade de aspirações? Qual a diversidade de destinos para a vida adulta na agregação desses múltiplos factores no mesmo indivíduo?

Para apurar as questões da criminalidade juvenil o anterior Governo criou uma Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta. No geral, parece-me que a Comissão seguiu um caminho muito institucional - longe das realidades contextuais, ouviu mais especialistas que jovens e deu pouco espaço à sociedade civil.

Entre várias considerações, concluiu que a falta de programas de intervenção precoce e ausência de políticas de prevenção e de reabilitação contribuem para o aumento da delinquência juvenil. Concluíram o óbvio, mas acrescentando que não há recursos financeiros para os programas e políticas.

Podia escrever que uma sociedade se mede pela forma como trata os mais vulneráveis, mas já não caímos nessa esparrela. Simplesmente não vai ser essa a motivação. Mas mesmo do ponto de vista economicista sai muito mais barato investir nesses jovens do que arcar com os custos da externalidade de não o fazer.

Trata-se só de haver vontade política. E é simples. Podem-se criar redes formalizadas por território que criem itinerários diversificados para os jovens, criando espaços de oportunidade e potência, podendo cada rede concorrer a apoios financeiros para as necessidades que não consegue oferecer ou; criar mesmo uma política nacional que dê as equidades necessárias para o empoderamento dos jovens da periferia. Se calhar, a benesse fiscal dada aos jovens que auferem 5000 euros por mês seria suficiente para tais intentos.

Se é simples, sustentável e não existe, a quem dá jeito que os jovens da periferia possam ser culpados?


Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.

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