O Portugal maior
É o tom colorido que me chama a atenção antes de segurar aquele pequeno manual. Na capa está o desenho de um homem, dividido em duas metades. À esquerda, surge de mão no bolso e fato de fim-de-semana, numa rua onde passeiam famílias, e vê-se sol a romper pelas nuvens com montanhas e um pasto verdejante em pano de fundo. À direita, veste fato-macaco. Tem a manga da camisa arregaçada e segura uma chave inglesa. Por trás, uma betoneira, uma grua e unidades fabris. O título está escrito em letras maiúsculas: “Para viver e trabalhar na Suíça”.
Desdobramos e nas costas está o mapa da Suíça, dividida nos seus 26 cantões, assim como imagens das notas e moedas em circulação no país. Na outra face, tudo escrito em português, muita informação útil sobre os vistos de residência, contratos de trabalho, direitos e deveres, postos fronteiriços onde têm de realizar testes médicos ou o que os emigrantes não podem levar na bagagem (por exemplo, há um máximo de 200 cigarros e 1 litro de bebida com mais de 15% de álcool).
Faço seguir a foto da capa e interiores por WhatsApp para um grupo de amigos mais chegados, um deles emigrado na Suíça. Em resposta, recebo três imagens: uma vem do cantão suíço de Vaud e as outras de Espanha, da Catalunha e das Baleares, de três conterrâneos emigrados a brincar ao carnaval, tal com era tradição na cidade da margem sul do Tejo que nos viu crescer.
Mas voltemos ao guia. Este foi entregue ao meu sogro em 1991, quando esteve emigrado na Suíça, tempo que recorda sem grande nostalgia, talvez porque na altura isso significou deixar em Portugal e a mulher e os dois filhos. “Fazia-se o que era preciso. Cheguei num domingo ao final do dia e na terça-feira de manhã já estava a trabalhar”, recorda, durante uma refeição em que serve um vinho que um sobrinho emigrante em França lhe trouxera recentemente.
À mesa estão E. e C., dois filhos da diáspora portuguesa, que se conheceram e formaram vida em Portugal, como professores na escola pública, tendo ambos nascido nos países para onde os pais tinham emigrado: ele na Alemanha, ela em França. Reveem-se na história que o meu sogro conta e a conversa segue, assim, em torno da emigração. No entanto, a chegada da sobremesa torna a sala silenciosa. Servem-se papas de carolo de milho e não resisto em partilhar, de novo no WhastApp, a fotografia num grupo ainda mais restrito de apenas dois jovens familiares: uma nascida no Canadá e outro hoje emigrado em Inglaterra.
Mais uma vez a emigração, tema sempre presente, até na hora da despedida, quando uma sobrinha emigrada na Suíça vem com os dois filhos cumprimentar os tios beirões e à porta daquela casa se reúnem diferentes gerações unidas pelo parentesco e pelas histórias deste Portugal maior que se estende bem para lá das suas fronteiras geográficas. Quando hoje, justificadamente, se discute imigração, e se defende um acolhimento mais regulado, eficaz e digno para quem nos procura, importa olhar para dentro de casa. Não nos faltam exemplos para executar esse exercício de autorreflexão, que nos guie numa discussão que se quer séria, rica em informação credível e, tanto quanto possível, descontaminada de discursos xenófobos e intolerantes. É, sobretudo, uma questão de justiça e de respeito por quem fomos e ainda somos enquanto país de emigrantes.