O novo paraíso dos fugitivos

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Pedro Hungarez viveu, rodeado de amigos, entre os quais o sr. Zé Osmar, entrevistado pelo DN em 2018, entre as cidades paulistas de Serra Negra, Caieiras, Diadema, Embu, Campos de Jordão e São Paulo, até morrer de ataque cardíaco, em 1979, enquanto tomava banho na praia de Bertioga. Hungarez, na verdade, chamava-se Josef Mengele e é considerado responsável pela morte de 400 mil pessoas em Auschwitz-Birkenau.

Ronnie Biggs, um dos membros da quadrilha que assaltou em 1963 um comboio-correio em Buckinghamshire, passou a maior parte dos 36 anos como fugitivo da polícia a morar suavemente no Rio de Janeiro. Chegou a gravar um disco de jazz e costumava contar detalhes do roubo a turistas em animados churrascos no quintal de casa.

Tommaso Buscetta, o poderoso chefe da Cosa Nostra que se tornou o mais famoso delator da organização, escolheu o Brasil como rota de fuga das autoridades italianas em três ocasiões nos anos 70, país onde montou negócio, casou e constituiu família. 

Mas, em 2010, Nestor Caro-Chaparro, um dos quatro maiores traficantes de droga da Colômbia, foi preso num apartamento de luxo de Copacabana, não muito longe do porto do Rio, de onde enviava containers com cocaína para os EUA. Menos de um ano depois, agentes da US Marshall Service escoltaram-no rumo ao país norte-americano. 

Caro-Chaparro foi o primeiro caso de sucesso do programa Fim da Linha, lançado em 2009 pelo governo brasileiro, com o objetivo de apagar a fama de “paraíso dos fugitivos” que o país carregava por causa de Mengele, Biggs, Buscetta e outros criminosos.

A imagem, entretanto, não só foi apagada como invertida. Hoje são os EUA o destino dos foragidos. 

O ex-chefe do serviço de inteligência, Alexandre Ramagem, condenado a 16 anos no julgamento do golpe, foi localizado num condomínio com lago artificial e praia particular na Florida, na semana passada. O Supremo Tribunal Federal (STF) já pediu a inclusão do nome dele na difusão vermelha da Interpol.

Antes, foi a vez da deputada bolsonarista Carla Zambelli gravar um vídeo nos EUA, para onde escapara via Argentina, mesmo condenada por porte ilegal de arma - andou a perseguir um jornalista de pistola na mãos nas ruas de São Paulo - e por ter invadido o sistema eletrónico do Conselho Nacional de Justiça com um amigo hacker

No mesmo dia em que o STF pediu a apreensão do passaporte de Eduardo Bolsonaro, o deputado já estava nos EUA, de onde vem liderando um lóbi contra a economia brasileira.

O pai dele, Jair Bolsonaro, logo depois de perder as eleições e mesmo já com dezenas de pendências na justiça, também foi para os EUA acompanhar à distância a invasão à Praça dos Três Poderes de 8 de janeiro de 2023. 

Por lá, estava já o bolsonarista Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, em cuja casa foi encontrada uma minuta com o passo a passo do golpe.

Está na hora dos EUA aprovarem um programa tipo Fim da Linha para não carregarem a fama de “novo paraíso dos fugitivos”.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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