O Natal não pode ser inclusivo?

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O Natal, em Portugal, ultrapassa largamente a dimensão confessional e religiosa. Está inscrito na literatura, na música, no calendário civil, na história social, nos rituais familiares, no imaginário colectivo. Desde os contos populares aos poemas, das canções tradicionais às práticas de solidariedade associadas à época, o Natal é parte constitutiva da cultura portuguesa.

Fiquei, por isso, espantado quando soube que, numa escola básica do distrito de Santarém, foi comunicado aos pais das crianças que este ano não se realizaria a habitual festa de Natal, essencialmente constituída por um espectáculo em que as crianças atuam. A razão apresentada foi esta: não ofender os sentimentos religiosos das crianças, filhas de imigrantes não cristãos.

Um artigo entretanto escrito pelo jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho (1) fez-me perceber que esta não seria uma situação pontual, mas que argumentações semelhantes estão a levar ao “cancelamento” do Natal em alguns sítios.

O partido político campeão da argumentação discriminatória supostamente cristã só pode agradecer este zelo supostamente igualitário: imagino a quantidade de pais que, graças a atitudes como estas, começam a achar razoável o discurso do Chega… Que grande serviço de propaganda lhe estão a prestar com esta “proibição” do Natal!

E as tradições evoluem: o próprio Natal totalmente “cristão e português” modificou-se por influência “estrangeira”. Quando eu era miúdo, metia-se o sapatinho na chaminé para o Pai Natal deixar as prendas; agora, por influência anglo-saxónica, metem-se meias. Os meus pais e avós davam importância central ao presépio e ao Menino Jesus; hoje já não é assim, e o Natal é dominado pela árvore de Natal decorada, cuja moda terá chegado a Portugal no Natal de 1844, por ação de um imigrante, D. Fernando II, o alemão que casou com a nossa rainha D. Maria II.

A celebração do Natal nas escolas básicas portuguesas não pode constituir uma forma de exclusão; deveria ser, antes, uma oportunidade de inclusão qualificada.

Celebrar o Natal pode - e deve - ser acompanhado da explicação do seu significado histórico e cultural, distinguindo claramente fé, tradição e património. Ao mesmo tempo, a escola pode abrir espaço ao conhecimento de outras festividades: o Hanukkah, o Ramadão, o Diwali, o Ano Novo Chinês, entre tantas outras. Assim, o universo simbólico das crianças expande-se, em vez de se contrair.

Excluir o Natal para não “ofender” minorias religiosas parte de um pressuposto errado: o de que a presença de uma tradição é, por natureza, uma ameaça às outras. Na realidade, o apagamento das referências culturais dominantes tende a gerar ressentimento e incompreensão, não integração. As crianças - e também os adultos, quer os que cá nasceram, quer os que para cá vieram viver - aprendem melhor a respeitar a diferença quando têm raízes culturais claras e quando essas raízes são colocadas em diálogo com outras, num quadro de igualdade e curiosidade recíproca.

Uma escola que retira o Natal em nome da inclusão ensina que a convivência só é possível pela eliminação das diferenças visíveis. Pelo contrário, uma escola que celebra o Natal e, simultaneamente, acolhe e dá a conhecer outras tradições ensina algo muito mais profundo: que a diversidade não se gere pelo apagamento, mas pela soma.

Inclusão é acrescentar, não é subtrair.

Jornalista

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