Em relação à guerra na Ucrânia, todos os dias as novidades, muitas delas absurdas, desenvolvem-se perante a estupefacção do mundo. Uma das afirmações mais descabidas incessantemente verbalizadas tem sido, para espanto daqueles que ainda têm o mínimo de bom senso, que Volodymyr Zelensky é um ditador por não convocar eleições. Num país em guerra, invadido por uma potência nuclear.Se isto já de si é estúpido, mais se torna quando, se virmos a História recente ucraniana, o cargo de Presidente, criado em 1991, viu eleições 7 vezes (normalmente, a cada 4 anos). E o presidente só pode ser re-eleito apenas uma vez (caso de Kuchma, eleito em 94 e 99). As eleições foram em 1991, 1994, 1999, 2004, 2010, 2014, 2019. Houve um momento em que o intervalo entre eleições foi de 6 anos, outro de 5, devido a complicações internas no país.No caso de Zelensky, é presidente há 5 anos, quase 6, não tendo havido eleições no ano passado por estar no meio de uma guerra e não haver garantias de que essas eleições pudessem ser realizadas com o escrutínio democrático necessário (como se viu em 2004, dando origem à Revolução Laranja).Em compensação, a Rússia, desde 1991, teve apenas 3 presidentes: Yeltsin (1991-2000), Putin (2000-2008), Medvedev (lá colocado por Putin como seu fantoche, 2008-2012) e Putin (2012 - até agora, ou seja, foi eleito 4 vezes). As eleições foram feitas de 4 em 4 anos, salvo no caso de Putin, cujo intervalo das últimas eleições foram de 6 anos.Num país que não foi invadido e que, sabemos, qualquer seu opositor tem fins trágicos: ou cai de uma varanda, ou é envenenado ou aparece, misteriosamente, morto, pelo que, 6 anos de intervalo não tem justificação. Num país onde não há limites para a re-eleição.E o presidente da potência que sempre foi considerada o bastião da democracia, Estados Unidos da América, de repente, acha que o invadido é um ditador por estar há 5-6 anos no poder, e o invasor, que está há mais de 20 anos, é democrático? Ah, é verdade, esta semana até já é proibido dizer que há um invasor e um invadido...Não é por uma mentira ser repetida muitas vezes que se torna verdade. E se a Europa não tomar as rédeas do seu futuro e lutar por aquilo que é justo, teremos o mundo ao contrário. Viveremos num universo paralelo que, na realidade, é o mundo da mentira e do engano. Talvez o mundo virtual que muitos criem para si nas redes sociais passe a ser a realidade. É o que acontece quando os irresponsáveis e os incompetentes estão no poder. Podemos dizer que, tudo o que os líderes eleitos democraticamente na Europa e nos EUA, desde o final da Segunda Guerra Mundial, construíram, foi em vão. Uma nova era de incerteza, perigo, injustiça e dúvida, à escala mundial, parece ter começado. Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico