O método “Reformista” que não queremos

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A palavra “reforma” soa sempre bem. Evoca progresso, modernização e eficiência, com a promessa de um Estado mais ágil e funcional. No imaginário coletivo, reformar é melhorar, corrigir o que está ultrapassado e ajustar o que não funciona. No entanto, quando inserida no vocabulário do ultraliberalismo, a expressão “reforma do Estado” torna-se muitas vezes um eufemismo elegante para o desmantelamento calculado das estruturas públicas.

O método repete-se há mais de 40 anos. Primeiro, constrói-se a narrativa da ineficiência, em que o Estado é “gordo”, “ineficaz” e “um entrave à liberdade”. Esta retórica mina a confiança pública e abre espaço à ideia de que só o mercado resolve. Margaret Thatcher fê-lo nos anos 80, ao reduzir o Estado social britânico a um obstáculo e Ronald Reagan sintetizou-o numa frase lapidar de que “o Estado não é a solução, é o problema”.

Depois, corta-se. Não cirurgicamente, mas a eito. Organismos são extintos, serviços públicos são privatizados e direitos universais são transformados em mercadoria. O que se apresenta como “eficiência” é na prática exclusão, em que a saúde e a educação se tornam bens de consumo e os mais pobres ficam desprotegidos. 

No Chile de Pinochet, as reformas dos “Chicago Boys” privatizaram pensões, enfraqueceram escolas públicas e converteram a saúde em negócio, antecipando em quase uma década medidas que só mais tarde seriam adotadas por Margaret Thatcher no Reino Unido. Foi um laboratório do ultraliberalismo cujos efeitos perversos ainda hoje se sentem.

Segue-se a fase da dependência. Ao se destruir a capacidade de investimento público, o país precisa de capitais externos para financiar até necessidades básicas. O Estado deixa de ser soberano e torna-se um cliente. O FMI foi perito neste jogo nos anos 80 e 90. Impôs “reformas estruturais” em troca de empréstimos, mergulhando economias inteiras em austeridade e submissão prolongada. A promessa de crescimento acabava em décadas de estagnação e dívida.

Por fim, fecha-se o ciclo com o caos económico, incluindo desemprego, inflação e desigualdade, acabando por servir de argumento para novas “reformas”. A espiral autoalimenta-se, pois o que começou como promessa de liberdade termina em prisão financeira. Primeiro destrói-se o Estado, encarece-se a vida e entrega-se a soberania. Depois surge a “ajuda” externa, a preço de saldo e com condições que ditam políticas futuras.

É aqui que se revela o verdadeiro caráter do ultraliberalismo, pois não é apenas uma doutrina económica, é um método de poder. “Reformar” significa preparar a captura de serviços públicos por empresas privadas, a entrega de recursos estratégicos a potências estrangeiras e a submissão da soberania nacional a credores.

Os exemplos abundam. Na Rússia dos anos 90, a chamada “terapia de choque” arrasou o tecido produtivo e entregou setores estratégicos a oligarcas e multinacionais. Na Grécia pós-2008, as reformas impostas pela troika hipotecaram o futuro em nome da “responsabilidade fiscal”. Hoje, na Argentina, Javier Milei segue o mesmo guião de desmontar o Estado, agravar a crise social e preparar o terreno para a “ajuda” de Washington que, longe da salvação, acaba por prender o país a interesses alheios.

Daí é essencial perguntar: Reforma para quê e para quem? Para modernizar e melhorar a vida dos cidadãos ou para abrir mercados a investidores externos? Para tornar o Estado mais ágil ou apenas mais fraco? Para libertar o indivíduo ou deixá-lo sozinho perante forças desiguais?

O ultraliberalismo veste-se de liberdade, mas entrega submissão. A pátria, reduzida a ativo em liquidação, deixa de ser de todos para se tornar pertença de quem a pode comprar. E o Estado, supostamente reformado, revela-se afinal desmontado, vulnerável e capturado.

Especialista em governação eletrónica

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