O melhor dos abraços

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Dei e recebi muitos abraços ao longo da minha vida profissional. Como advogado, como jurista em processos de enormíssima responsabilidade, como administrador e presidente da Caixa Agrícola de Torres Vedras. O abraço é sempre distintivo pois só o recordamos quando é forte a relação com o outro ou quando a ocasião é especial – quase sempre por vitórias e derrotas, pois, geralmente os empates não servem para memória futura.

Conto-vos.

Jorge Nunes tinha acabado de agradecer o prémio que recebera das mãos de António José dos Santos no Global Innovation Coop Summit. Um prémio que distingue a carreira de um cooperativista e que tem o nome do empresário que, com o seu irmão gémeo, José António, construiu um dos projetos mais bonitos da história do nosso país nos últimos cem anos, a Valouro. Numa breve nota de contexto, talvez necessária em tempos de esquecimento, quero deixar escrito que Jorge Nunes, líder da Caixa Agrícola de Santiago do Cacém é o cooperativista dos cooperativistas. Foi ele o principal mentor da estratégia que permitiu que as caixas agrícolas, após a nacionalização da banca de 1974, pudessem ser autónomas. Foi também ele quem fundou a FENACAM, a Caixa Central e as Companhias de Seguros, que acreditou ser a melhor forma de encarar o futuro. Juntos seríamos mais fortes.

António José dos Santos, na altura presidente da Caixa de Torres Vedras, e eu próprio, com funções que me foram oferecendo a possibilidade de observar o universo cooperativo, receámos que a liberdade poderia transformar-se numa nova prisão. A ideia de juntos sermos mais robustos é justa e correta, mas através da intercooperação. Mas sabemos que as circunstâncias, e as lideranças, e o poder, estão sempre à espreita nas estruturas centralizadas. António José tinha razão em manter-se independente. Desejava o que eu desejo: assumir o negócio bancário cooperativo na sua integralidade, não transferir a responsabilidade que temos com a comunidade, associados e clientes e as autoridades bancárias.

Ouvir o elogio de Jorge Nunes, o seu assumir que não imaginava que as caixas agrícolas pudessem voltar a estar aprisionadas, desta vez a si próprias e às lideranças que escolheram, deixou a sala em silêncio absoluto. Ouvi-lo a constatar que qualquer caixa agrícola não pode alocar despesas para pedidos de ajuda concretos da sua comunidade sem uma autorização externa, tornou claro que o princípio fundador do cooperativismo está ferido. Lembrei-me imediatamente da fábula de Ouroboros em que uma cobra devora a sua própria cauda, o que lhe acabará por ser fatal pois acabará por chegar à cabeça e aí terminará tudo.

Foram estes dois abraços quer recebi. De dois homens extraordinários. António José, figura central da minha vida, empresário maior, e que há mais de 30 anos construiu a solvência da Caixa Agrícola a que tenho a honra de presidir. Talvez a pessoa mais livre que conheço e que nunca embarcou em cantos de sereia. E de Jorge Nunes, alguém que na sua comunidade tem um peso idêntico ao de Rui Nabeiro. Um empreendedor que brincava descalço na rua da sua infância, mas que, com talento e enorme magnetismo, conseguiu fazer da sua vida um exemplo. Os dois construíram riqueza, mas ofereceram à comunidade lares, escolas, esperança e futuro.

A maneira como os dois me abraçaram, luminosa e sem qualquer sombra, deixou-me a responsabilidade de não os defraudar. Dedicarei a minha vida também a isso, não capitular nos princípios, não hesitar no caminho que é o justo, que é o certo, que é o caminho no sentido de ter sempre melhores resultados sem abdicar de ter instituições com alma, que lutam pelo bem. Obrigado aos dois por esse abraço imenso.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

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