O grande 'show' de Trump

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Pode não ter ganhado o Nobel da Paz, entregue há exatamente uma semana à opositora venezuelana María Corina Machado, mas Donald Trump teve a sua “vingança” dias depois quando surgiu como mestre de cerimónias na Cimeira pela Paz em Gaza, mesmo que esta tenha decorrido em Sharm el-Sheikh, no Egito. Ora entre louvas ao verdadeiro anfitrião, “o presidente, o general” Abdul Fatah Al-Sisi, elogios ao “coração tremendo” do emir do Qatar, passando pela referência à “pequena guerra que parámos” entre a Arménia e o Azerbaijão, cujos líderes estavam ambos presentes na sala, até à “abordagem discreta” do francês Emmanuel Macron, ao “muito alto e muito esperto” chanceler alemão Friedrich Merz ou à “linda jovem mulher”, a italiana Giorgia Meloni, Trump afagou os egos dos líderes presentes no encontro enquanto se vangloriava por haver finalmente paz no Médio Oriente.

O presidente norte-americano acabava de chegar de Israel, onde fizera no Knesset o que o Jerusalem Post disse ser “um discurso digno dos Óscares”, no qual declarou o fim da guerra em Gaza. Três dias antes, Israel declarara em vigor o cessar-fogo previsto no acordo de 20 pontos aceite pelo Estado judaico e pelo Hamas. E nessa manhã mesmo tivera lugar a entrega dos 20 reféns ainda vivos dos 251 que o Hamas sequestrou a 7 de outubro de 2023, no ataque contra Israel em que morreram 1200 pessoas.

A retaliação israelita surgiu logo nesse dia do ataque e em dois anos de guerra terá custado a vida a perto de 70 mil palestinianos, segundo os números do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. A destruição e a situação humanitária muito precária no enclave palestiniano onde dois milhões de pessoas vivem num retângulo de 40 km por dez de largura aumentou a pressão da comunidade internacional sobre Israel para aceitar uma trégua. Um cenário que as famílias dos reféns também exigiam para recuperar os seus entes queridos.

Mas depois do grande show de Trump no Egito, o mais difícil continua por fazer. O Hamas garante não saber o paradeiro dos corpos dos reféns que falta entregar n primeira fase do plano de paz e começam a surgir brechas, com Israel a abater palestinianos que violaram a linha amarela para trás da qual recuou e o Hamas a executar membros de facões rivais, ameaçando mergulhar Gaza na guerra civil.

A trégua pode ser frágil e o empenho de Trump na sua manutenção tudo menos certo, mas a verdade é que o milionário seguiu uma longa tradição dos inquilinos da Casa Branca que mediaram a paz no Médio Oriente – fosse Jimmy Carter com os acordo de Camp David ou Bill Clinton com os de Oslo.

Resolvida, nas palavras do próprio, a oitava guerra insolúvel que Trump diz ter terminado, o presidente dos EUA já está de olho na nona: Afeganistão vs Paquistão. Mas será preciso a décima, e pôr fim a um conflito entre Rússia e Ucrânia que prometeu terminar em 24 horas mal chegasse ao poder, para obter o Nobel que tanto deseja? Temos um ano para descobrir, a contar já da cimeira com Putin em Budapeste agora anunciada.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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