O gabinete 607

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Fervoroso apoiante de Jair Bolsonaro, um ex-concorrente do Big Brother Brasil (BBB), de nome Adrilles Jorge, foi eleito vereador por São Paulo e vai ocupar o gabinete número 607 da Câmara Municipal.

A frase acima é terrivelmente reveladora do que se tornou a política brasileira.

Começa por ser terrível que Bolsonaro, um soldado incompetente (segundo avaliação de um general que foi presidente do Brasil na ditadura militar), um deputado incompetente (conforme atestam os dois curtos projetos de lei aprovados em 28 longos anos de Parlamento), um presidente incompetente (único, na História, a perder uma reeleição) e um ex-presidente incompetente (em vez de liderar a oposição, fugiu para os EUA após a derrota e agora dedica-se a suplicar por amnistia dos crimes que a polícia garante que cometeu), ainda tenha apoiantes.

Depois, é terrível que o BBB sirva de plataforma para eleger representantes da população.

E a seguir é terrível que o ex-BBB em causa seja um sujeito, Adrilles Jorge, que conseguiu ser demitido até da Jovem Pan, a rede de televisão mais à direita do país: usou uma saudação hitleriana num programa em que era “comentador”.

Mas o mais terrível daquela frase reveladora do que se tornou a política brasileira nem é alguém ainda acreditar em Bolsonaro, usar o BBB como trampolim eleitoral ou andar a brincar aos nazis - é a aparentemente inocente parte em que se fala do gabinete 607.

Ao chegar ao local de trabalho a que teve direito por sorteio, Adrilles Jorge ficou satisfeito por ver um moderno open space. Porém, ao abrir a porta da casa de banho deparou-se com um cenário dantesco: o lavatório e a sanita haviam sido arrancados do local.

A investigação em busca do lavatório e da sanita perdidos concluiu, depois de constatar nas câmaras de segurança do prédio um homem a transportar os itens em falta num carrinho de mão pela madrugada, que a decisão partiu da anterior inquilina do 607, a vereadora Janaína Lima.

Talvez irritada por não ter sido reeleita, ela alegou ter comprado o lavatório e a sanita do próprio bolso e, para desespero de Adrilles e funcionários obrigados a usar a casa de banho pública do hemiciclo, levou-os para casa.

Assustada com a repercussão negativa, Janaína, que também, escusado seria dizer, é apoiante de Bolsonaro (e de Trump, porque um certo tipo de brasileiros, aqueles que vêm os EUA como paraíso na terra, acham relevante declarar quem apoiam nas eleições americanas), agora diz que vai doar as pias.

Da mesma forma que Adrilles já havia sido notícia pela saudação nazi, Janaína também já chegara às manchetes antes: foi por via de uma discussão com uma companheira de partido sobre tempo de antena no palanque, que acabou com ela a arrancar a peruca da rival.

Essa célebre discussão começou no plenário, mas acabou na casa de banho anexa, o que é terrivelmente revelador do que se tornou a política brasileira.

Jornalista, correspondente em São Paulo

Diário de Notícias
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