O fim da Europa pode esperar

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O projeto europeu enfrenta grandes e arriscados desafios – mas as notícias sobre onda gigantesca e imparável da extrema-direita revelaram-se francamente exageradas.

Macron e Scholz foram os grandes perdedores da noite das europeias – ainda que em doses diferentes.

O grande terramoto foi em França, com a vitória da extrema-direita do Bardella e Le Pen (mais do dobro dos votos do “Besoin d’Europe”, a coligação do Presidente Macron). Há cinco anos, o “Rassemblement National” tinha ganho por menos de um ponto percentual. No domingo passado, goleou por 16 pontos e meio. Haverá eleições legislativas antecipadas em França, já no fim do mês: resta saber se Macron ainda tem forma de terminar o segundo mandato com margem política – ou se estará condenado a assistir à ascensão da extrema-direita até à conquista do Eliseu, por parte de Le Pen, em 2027.

O caso alemão é bastante diferente. Os 13,9% do SPD, dois pontos percentuais atrás da AfD, serão cartão quase vermelho do eleitorado ao governo de Scholz – e constituem o pior resultado de sempre para os sociais-democratas na Alemanha. Mas calma: a extrema-direita subiu em relação a 2019 – 11% há cinco anos – mas os 15,9% estão, até, bem abaixo do que já chegou a atingir em sondagens para as legislativas. E não podemos esquecer-nos que quem venceu, com grande distância, as europeias na Alemanha foi a CDU/CSU – a coligação de centro-direita que reforçou a liderança europeia da Alemanha, com Kohl e Merkel, embora tenha ‘nuances’ mais direitistas, para fazer face ao crescimento da Alternativa para a Alemanha.

Mesmo assim, se somarmos os 30% da CDU com quase 14% do SPD, os 12% dos Verdes e os 5% dos liberais, concluímos que perfazem uns (ainda) confortáveis 61% de opções claramente europeístas e pró-ucranianas do eleitorado do país mais rico e mais influente da União Europeia.

Há um fenómeno a ter em conta no caso alemão de domingo passado: o BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht), partido de extrema-esquerda com laivos de anti-imigração e posicionamento pró-russo, criado por dissidentes do Die Linke, a esquerda alemã, obteve preocupantes 6,2%, quase o triplo do score do partido originário (2,7%). Como se posicionará este estranho BSW na composição das famílias políticas no Parlamento Europeu?

Houve outros episódios dignos de estranheza e preocupação, como por exemplo os 4,6% do espanhol “Se Acabo La Fiesta”, nova composição política à extrema-direita, que se estreou logo com três mandatos, mitigando, com isso, o resultado do VOX (abaixo dos 10%, seis eleitos). 

Meloni teve vitória esperada em Itália (mas não retumbante, quatro pontos e meio acima do PD, centro-esquerda). E convém olhar para a Liga de Salvini: levou um tombo de 25 pontos percentuais (tinha tido 34% em 2019, caiu para 9%).

Sim, os extremismos e populismos subiram. Mas muito menos do que se projetou e temeu. A soma dos grupos ECR e ID atinge 132 eurodeputados – nem sequer dá para ultrapassar os socialistas/sociais-democratas, que se aguentaram nos 135. Está longe de ser líquido que os muitos “não inscritos” da área extremista e populista sejam capazes de formar novo grupo.

O PPE foi o grande vencedor: não só manteve a liderança, como subiu para 191 mandatos. Ganhou em 11 Estados Membros. Os socialistas ganharam em seis. Liberais, ECR (direita conservadora e populista), ID (direita radical e extrema-direita) e não inscritos ganharam, cada um deles, em dois países. A Esquerda venceu na Irlanda.

Já não dará para fazer maioria entre PPE, Liberais e Verdes (estes foram os grandes perdedores, baixando para 53), mas deverá prevalecer uma coligação centro-direita/centro-esquerda, a três, com PPE, socialistas e liberais – mantendo-se, assim, perfeitamente possível que prevalece no Parlamento Europeu um consenso alargado em temas como a ajuda à Ucrânia. 

O que poderá estar em causa é a “agenda verde” e o Green New Deal, temas fortes no período 2019-2024, sobretudo até à pandemia e às guerras. Boa notícia: em quatro países não se confirmaram favoritismos de populistas/extremistas – Países Baixos, Polónia, Suécia, Eslováquia.

A Europa corre riscos e os próximos anos serão decisivos. Mas quem vaticinou o seu fim vai ter de esperar.

Especialista em Política Internacional

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