A eventual venda da Impresa – proprietária da SIC e do Expresso – ao grupo italiano MFE representa um momento de viragem não apenas para o setor dos media, mas também para alguns equilíbrios económicos e políticos em Portugal. No momento em que estas linhas são escritas, os contornos da operação permanecem incertos. Em cima da mesa estão vários cenários: aquisição de uma participação maioritária na Impreger (holding do grupo), lançamento de uma OPA sobre a Impresa, venda isolada da SIC, entre outras hipóteses. Seja qual for o modelo, tudo indica que estamos perante o fim de uma era na comunicação social portuguesa, com ramificações que ultrapassam o universo do sector.Este desfecho, embora previsível face às necessidades de capital da Impresa, não será a debacle que alguns antecipavam – ou desejavam. Será uma retirada controlada, ou mesmo apenas parcial, dependendo dos contornos exatos do negócio, que permitirá salvar o grupo Impresa num momento de dificuldade. Será, todavia, um momento de viragem.Durante mais de meio século, Francisco Pinto Balsemão foi uma figura central da sociedade portuguesa. Liberal durante o Marcelismo, fundador do PPD/PSD, primeiro-ministro após a morte de Sá Carneiro. Membro do Conselho de Estado e de influentes fóruns internacionais como o grupo Bilderberg. Criador do Expresso e da SIC, Balsemão ergueu um dos maiores grupos privados de comunicação social do país. Como empresário dos media, Balsemão revelou visão e ambição, liderando num momento em que o setor se abria aos privados, após anos de estatização pós-25 de Abril. A sua marca e influência permanecem visíveis em múltiplas iniciativas culturais e institucionais. No entanto, nas últimas duas décadas, o grupo enfrentou dificuldades estruturais: a transição digital, a erosão do modelo de negócio tradicional e investimentos que agravaram o endividamento e destruíram valor para os acionistas da Impresa, como comprova a forte desvalorização das ações nas últimas duas décadas. Neste contexto de crescentes necessidades de capital, a recusa de Balsemão em ceder o controlo a investidores externos, para conseguir manter a natureza familiar do grupo, tornou-se insustentável e colocou em risco o futuro.É neste contexto que ocorrerá a eventual entrada de um grupo internacional, o MFE, da família Berlusconi. Mas esta mudança não é importante apenas no plano empresarial, razão pela qual a operação está a ser seguida atentamente pela classe política. Os meios da Impresa sempre refletiram, nas suas linhas editoriais, a mundivisão do seu fundador: democrata, europeísta, liberal na economia e nos costumes, defensora de uma sociedade aberta e promotora de um jornalismo independente. Ao longo de décadas, essa linha editorial moldou debates, influenciou governos e contribuiu para consolidar o “centrão” político que o próprio Francisco Pinto Balsemão ajudou a fundar há 50 anos. A crise da Impresa coincide, aliás, com a crise desse mesmo “centrão”. Já não vivemos tempos em que uma televisão podia “vender” presidentes como sabonetes, porque surgiram entretanto novos players digitais que chegam mais facilmente aos jovens. Mas a influência de um grupo de media como a Impresa continua a ser relevante e esta mudança de ciclo poderá ter também efeitos no plano político.Diretor do Diário de Notícias