O estado da nação 

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Os Países Baixos têm as crianças mais felizes, dizem os estudos. Crianças que passam muito tempo na rua, com chuva ou sol, uma carga de atividades extra reduzida. E podem ficar entediadas, porque aprender a gerir a frustração faz parte da vida. Não têm satisfações imediatas, não usam as novas tecnologias como uma extensão do corpo, leem e são estimuladas a conversar, nada de jantares ao som das breaking news do mundo. Os pais estimulam a autonomia, são pouco vigilantes, menos controladores, vá.  

Por aqui a história é outra, porque as crianças acumulam quadros de ansiedade, não sabem lidar com a rejeição nem com a frustração, precisam de estar sempre em movimento (quem disse que a malta tem de estar sempre ocupada?) e se uma criança vai para a escola a pé, a um quarteirão de distância da sua casa, é um ai Jesus. Não, os pais não perderam a cabeça, talvez estejam apenas a promover autonomia, segurança.  

A história mais bizarra que ouvi, há umas semanas, prende-se com jovens adultos. Um professor universitário contou-me que é confrontado com os pais dos alunos regularmente. Interpelam-no, pedem esclarecimentos sobre notas, intervêm como fazem na escola primária. “Isto não ajuda nada. A cereja no topo do bolo é a mãe que vem falar comigo, porque chumbei o filho e eu precisei de lhe mostrar as folhas de presença e de dizer: ‘O seu filho nunca veio a uma aula que eu tivesse dado’”. Cara de urso da mãe, imagino.  

O que leva os pais a controlar tanto a vida dos filhos? Porque precisarão eles de os ter fixos no ninho, mal preparados para o mundo real? Que exemplo damos a um jovem, se não acreditamos que seja capaz de resolver as suas questões, assumir responsabilidades?  

A educação é um dos pilares da sociedade, defendemos a ideia fundadora de oportunidades e princípios, mas a nossa aposta na educação é fraca. As redes sociais aceleraram a vida. Os jovens abusam das ferramentas de IA nos seus trabalhos escolares, reduzindo o tempo de pesquisa e de leitura; abandonaram a possibilidade enriquecedora de correlacionar informações que permitem um desenvolvimento de raciocínio, outras perspetivas. Ora, se não estimularmos o cérebro, ele encolhe. 

O neurocientista francês Michel Desmurget, autor do livro A Fábrica de Cretinos Digitais (2021, Bertrand Editora), explica que o mundo digital está a prejudicar o desenvolvimento neural de crianças e jovens e que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o Quociente de Inteligência desceu.  

O QI é medido por um teste-padrão e é afetado por variáveis distintas, entre elas os sistemas educativos e de saúde ou as questões alimentares. A diminuição do QI foi já testada e documentada em vários estudos na Noruega, Dinamarca, França, Estados Unidos, entre outros. Michel Desmurget explica: “Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem” e acrescenta: “Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e a compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho académico.”  

A super estimulação provoca uma diminuição cognitiva – pode parecer paradoxal, mas é para isso que os estudos apontam. Menos interação social e menos atividades estimulantes criativamente (música, artes, leitura) levam a perturbações do sono e têm um impacto real na forma de o cérebro processar informação. Sem alimento, certas zonas tornam-se, digamos, menos ativas, como se metessem férias. Os mais jovens precisam de estímulos, e não de tantos ecrãs e de informação proveniente apenas do universo digital. Estes alertas têm vindo a ser feitos em diferentes plataformas, de académicos a cientistas, de especialistas de educação a psicólogos. Ouvimos e não fazemos nada, o que é pouco inteligente. Entretanto os pais, hiper vigilantes, optam por sobreproteger os filhos. Como se desenrascará esta geração? Como diz o povo, o futuro a Deus pertence. 

Escritora e jornalista

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