O elefante no meio da pista

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Fernando Ulrich usou uma imagem, na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES, que pode ser usada nesta opção por Alcochete. Dizia ele que o Banco de Portugal tem funcionários residentes a esmiuçar tudo dentro dos bancos. Mas, de tanto olharem para detalhes, não viam o elefante. É talvez o que se passa aqui: se fizermos o que prescreve a Comissão Técnica Independente - um aeroporto de 6/8/10 mil milhões de euros ao nível de Frankfurt, pagos por taxas aeroportuárias -, partir e aterrar em Portugal terá um preço galopante. Mais: obrigará a aumentar também as taxas dos outros aeroportos de Faro e Porto, porque a ANA é um monopólio. E sobretudo iremos comprometer a razão disto tudo - queremos mais 10 milhões de turistas. Ora, para começar: queremos mesmo mais 10 milhões de turistas? E quanto à elasticidade dos custos dos bilhetes: há meia dúzia de anos havia voos a 10 euros. Hoje é difícil encontrar-se, com todos os custos incluídos, algo por menos de 100. Qual o limite para as subidas?
Há outro ponto que faz sorrir: esta é uma decisão corajosa contra a Vinci.

Mas a empresa acaba de ganhar mais uma ponte sobre o Tejo (tem o monopólio das pontes) e consolida o seu monopólio de aeroportos em Portugal. Mais, a empresa francesa fica no melhor dos dois mundos: aumenta ainda mais o número de voos/hora na Portela durante 15... 20 anos... E terá à disposição uma obra colossal em Alcochete, onde, evidentemente, o Estado vai ter de participar - alargará ad aeternum a concessão, além de provavelmente ser chamado a cobrir a garantia do financiamento.

A Vinci tem a faca e o queijo na mão. Só uma comissão de académicos - capaz de desenhar um modelo económico de aeroporto sem o discutir com o monopolista e sem o know-how de grandes operadores internacionais - pode propor algo inspirado nos forcados amadores da Moita: o governo português enfrenta uma das maiores empresas de aeroportos do mundo sem plano B.

Entretanto, a AD passou a primeira década deste século a verberar contra o TGV, mas avança agora a todo o gás para o Lisboa-Madrid, como se todas estas decisões não fossem o projeto Sócrates-2007 - mas com quase 20 anos de atraso. Agora a AD muda radicalmente, mas não se retrata.

Simultaneamente, assinalamos, nos dias ‘sim’, os graves problemas ambientais com que o mundo se depara, e nos dias ‘não’ considera-se inaceitável que alguém ouse falar dos graves problemas ambientais em Alcochete. É para fazer!, diz a turba.

É certo que Lisboa precisa de melhor resposta aeroportuária. Mas será normal investir-se 300 milhões de euros em obras na Portela, deixá-la a funcionar uns poucos anos e depois demolir tudo? E ninguém quer saber porque é pago pela Vinci? Mas não é pago pela Vinci! É pago sobretudo pelos portugueses que não têm escolha quando precisam de voar!

Não por acaso, Ryanair e easyJet assobiaram para o lado e festejaram mais voos na Portela. O ministro Pinto Luz fala até em 52/hora - claro, é preciso pagar Alcochete e calar os representantes do turismo. Mas este aumento brutal de voos é tudo o que os lisboetas menos desejavam - e promete ser assim durante, talvez... duas décadas?

O imobiliário e o turismo venceram. Precisaremos de importar ainda mais mão de obra para isto funcionar - oportunidade que o Chega não enjeitará para acentuar o discurso anti-imigração. E concentramos Portugal ainda mais em atividades cíclicas e de capital estrangeiro.

Neste século arrasamos as contas públicas, desequilibramos ainda mais o território, mas a nossa geração suicida festeja mais uma fuga para a frente. Portanto, silêncio. Ninguém estale os dedos. O passo de magia é hipnotizante.

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